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Placebo tem efeito mesmo em quem sabe que está usando placebo

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Esse tipo de substância pode aliviar a ansiedade mesmo nos céticos e bem informados – mas não cura doenças, alertam especialistas

Daniela Simões, com edição de Marcos Coronato

Aos 21 anos, a estudante de engenharia civil Nathália Ribeiro lembra como foi difícil encontrar um remédio adequado para os sintomas que acompanhavam suas crises de ansiedade. Em picos de estresse, a estudante tinha enxaqueca, dermatite e falta de ar. Quando ainda estava no 9º ano do ensino fundamental, chegou a parar no hospital diversas vezes por causa de dores de cabeça muito fortes. As prescrições de medicamentos alopáticos – os da medicina baseada na ciência – a fizeram tentar mais de dez tratamentos diferentes, sem sucesso. Causavam alergias. Até que um dos médicos que consultou durante uma crise apresentou a ela um tratamento alternativo. Mesmo cética, Nathália resolveu tentar.

Durante os três anos do ensino médio, tomava regradamente algumas gotas do Floral de Bach, três vezes ao dia. Embora flores possam conter princípios ativos reconhecidos pela medicina, florais não são medicamentos. Mesmo assim, Nathália sentiu efeitos. “Não acho que ele curou a minha enxaqueca, mas me deixava mais calma. Para ansiedade, o floral me ajudou muito”, diz a jovem, que hoje usa um medicamento fitoterápico. A estudante considera crucial o resultado obtido pelo floral. Ele a ajudou a se concentrar nos estudos, especialmente no 3º ano do ensino médio.

Do ponto de vista do método científico, florais são placebo, assim como homeopatia. Placebo é uma substância inerte e não deveria provocar nenhuma reação no usuário (um estudo sistemático feito na Inglaterra e publicado em 2010 no The European Journal of Medical Science avaliou pesquisas sobre o efeito dos Florais de Bach. Concluiu não haver evidências de que os florais tivessem efeitos maiores que o placebo). Mas sabe-se há muito tempo que placebo tem efeito significativo sobre aqueles que não sabem estar usando placebo – ou seja, que acreditam estar recebendo uma terapia real. Esse fenômeno vem sendo documentado desde o século XIX. Mas por que mesmo pacientes que não acreditam no que estão usando, como Nathália com o floral, relatam melhoras após fazer uso desse tipo de terapia?

Lucas Zambon, médico membro do Instituto Brasileiro para Segurança do Paciente, não se espanta. Ele afirma que o efeito placebo tradicionalmente inclui a sensação de bem-estar, e que esse efeito pode ser poderoso o bastante para afetar mesmo os céticos. Zambon integra também o Choosing Wisely (em português, “Escolher sabiamente”), um movimento internacional pelo uso racional da medicina.

Esse tipo de efeito é recorrentemente visto em pesquisas e ensaios clínicos. Um estudo feito pela Universidade Harvard, nos Estados Unidos, em conjunto com a Universidade de Basel, na Suíça, e publicado em julho de 2017 no The Journal of the International Association for the Study of Pain, selecionou um grupo de 160 pessoas, formando quatro grupos distintos. Todos os participantes aproximaram o antebraço esquerdo em um dispositivo quente para testar os estímulos de dor e calor. Três dos quatro grupos receberam uma pomada placebo e um grupo não recebeu tratamento nenhum. Dos que receberam a pomada, um grupo foi informado (falsamente) que ela era analgésica; outro foi informado da verdade, que ela era placebo; e outro ainda foi informado que ela era placebo, mas assistiu a uma palestra de 15 minutos sobre o efeito placebo.

Os participantes foram orientados a dizer quando o dispositivo quente no braço passasse do ponto de “quente” para “doloroso”. Dois grupos resistiram mais à dor: o que pensava ter passado uma pomada analgésica (esse é o efeito placebo clássico em ação) e também o que sabia ter recebido placebo e assistido a uma palestra sobre o efeito placebo. Eles sabiam estar usando uma substância inerte, mas ela os influenciou mesmo assim. Para o médico Zambon, o segredo está em criar nos pacientes uma expectativa grande. Mesmo que eles saibam racionalmente que aquela terapia não deveria ter efeito, a expectativa os afeta.

Processos bioquímicos no organismo colaboram para o sucesso do “tratamento” com placebo. Uma pessoa pode sentir o coração bater rapidamente por estar estressada – ou simplesmente por achar que recebeu um medicamento acelera o batimento cardíaco. “Mas, nesse caso, o que está funcionando é a adrenalina [substância secretada naturalmente pelo organismo e que acelera os batimentos]”, afirma Charles Smith, membro do centro de pesquisas clínicas do Hospital das Clínicas.

Ainda que o placebo tenha efeito, porém, ele não é tratamento. Outro estudo, feito em 2011 pela Universidade Harvard e pelo Brigham and Women’s Hospital, analisou o tratamento de pessoas com asma: 46 delas foram submetidas a um tratamento com bombinhas broncodilatadoras. Um grupo recebeu bombinhas com medicação para asma e outro recebeu placebo, mas sem ser informado.

Ambos os grupos relataram melhoras nos sintomas, como é de esperar pelo efeito placebo clássico – mas relatos são apenas parcialmente confiáveis. Quando os grupos foram avaliados objetivamente, por meio de testes de condições dos pulmões, detectaram-se melhoras reais somente no grupo que havia recebido medicação. De posse desse tipo de conhecimento, um paciente informado e cético pode até usar terapias alternativas, inertes, para aumentar sua sensação de bem-estar ou diminuir sua ansiedade a respeito de uma condição ou doença. Mas sabe que aquela tática não substitui o tratamento real. “O paciente, hoje mais empoderado, pode escolher o que melhor se adapta ao seu tratamento”, diz Smith, do Hospital das Clínicas.

Fonte: Revista Época

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