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R$ 140 mil por uma bronquite: como é depender do sistema de Saúde dos EUA

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Você já pensou em sair de um pronto-socorro depois de apenas cinco horas com uma dívida de US$ 26 mil (cerca de R$ 143.000, pela cotação) por um tratamento de uma crise de bronquite? Foi o que aconteceu comigo em novembro de 2019. O susto apareceu no extrato do meu plano de saúde um mês depois. Por sorte o plano cobriu as despesas, pagando apenas US$ 400 (cerca de R$ 2.210, pela cotação) , e o caso foi encerrado.

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Mas como uma conta de US$ 26 mil termina com apenas US$ 400? Porque os planos de saúde têm poder de barganha e sabem quanto realmente custa um tratamento médico. No meu caso, os US$ 26 mil que o Hospital Universitário de Hoboken queria me cobrar foram resultado de quatro inalações, duas aplicações de corticoide intravenoso e um raio-x do pulmão (além, claro, dos serviços do médico e do enfermeiro que me atendeu das 2h às 7h da manhã quando recebi alta). O enfermeiro, aliás, parecia um caixa de supermercado. Cada vez que vinha ao meu lado para aplicar um novo tratamento, chegava empurrando uma mesa com um computador e uma máquina de leitura de código de barras. Perguntava meu nome completo, data de nascimento e começava a registrar os produtos: agulha para acesso intravenoso: “pi!”; balão de soro: “pi!”; corticoide: “pi!”; e assim por diante.

Se o meu plano de saúde resolvesse não cobrir porque o hospital não fazia parte da sua rede de cobertura, eu teria que me afundar em dívidas para pagar esse absurdo, recorrer na Justiça (e gastar mais ainda com advogados) ou então abrir falência pessoal. Aliás, 67% dos americanos (dois terços da população) vão à falência por causa disso. Tem gente que resolve tirar a própria vida, como aconteceu com um casal de idosos do Estado de Washington, na costa oeste. O marido matou a mulher e cometeu suicídio logo em seguida, deixando notas de contas hospitalares.

Os americanos, portanto, tentam evitar ao máximo contrair dívidas dessa natureza. Por isso o estresse já começa antes do atendimento. Você está doente, mal consegue respirar (como no meu caso, por exemplo), mas tem que ficar procurando no catálogo do plano de saúde quais são os locais que fazem parte da rede. Nem sempre as informações do site batem com a realidade.

Caso não encontre, tem que fazer uma pesquisa de preço prévia. Por isso que, antes de ir ao pronto-socorro, tentei resolver o caso em uma das clínicas de “urgent care” (tratamento de urgência), que seriam como os postos de saúde brasileiros, mas sem filas e com mais equipamentos. Sem filas como toda clínica particular de qualquer país do mundo porque nem todos têm dinheiro para pagar os US$ 200 (cerca de R$ 1.105, pela cotação), em média, por uma consulta. Por isso muita gente evita ir ao médico, não faz tratamento preventivo e se automedica nos Estados Unidos.

A história continua

No meu caso, paguei US$ 200 pelo atendimento médico, mais duas inalações e uma aplicação de corticoide. Esse tratamento foi apenas paliativo, obviamente, pois acabei tendo que ir de madrugada para o “emergency room” (pronto-socorro). Deveria ter ido antes e economizado esse dinheiro? Sim. Mas fui orientado a evitar ir ao pronto-socorro por um amigo americano. Segundo ele, o custo do tratamento no hospital seria em torno dos US$ 3.000 (cerca de R$ 16.580, pela cotação). Depois de ver a conta, até comecei a achar esse preço “de boa”. A sorte foi que meu plano também cobria a medicação receitada. A repórter Candice Feio da Globo aqui de Nova York relatou que, logo ao chegar a Nova York, sem ter plano de saúde, teve que ir ao médico por causa de uma dor de garganta. O antibiótico receitado pelo médico custava mais que a consulta, US$ 700 (cerca de R$ 3.860, pela cotação), e ela acabou se curando por conta própria.

Também me disseram, antes de ir ao pronto-socorro, para só chamar uma ambulância em último caso, pois esse serviço custaria mais US$ 3.000. No YouTube, é possível encontrar o vídeo de uma mulher, cuja perna ficou presa entre o vão da plataforma e o metrô de Boston, implorando para que seus salvadores não chamassem a ambulância porque ela não podia pagar. Provavelmente porque ou o plano consideraria isso um serviço desnecessário e não cobriria. Ou ela talvez faça parte dos cerca de 50 milhões de americanos que não podem pagar por um plano de saúde nos Estados Unidos ou mesmo do um terço da população que tem dificuldades em pagar despesas médicas, conforme informações do Centro Nacional de Informações Biotecnológicas (NCBI).

As armadilhas da coparticipação

Ter plano de saúde bom também não acaba com seus problemas. Neste ano eu passei a fazer parte do plano oferecido pela empresa onde meu cônjuge trabalha. Para me incluir, no entanto, temos que pagar US$ 360 (cerca de R$ 1.990, pela cotação) por mês e mais um “co-pay” (coparticipação) de US$ 6.000 (cerca de R$ 33.155, pela cotação) por ano. Isso quer dizer que, para que o plano passe a cobrir todas as nossas despesas médicas e medicamentos, temos que gastar esse dinheiro do próprio bolso antes.

O susto de novo veio quando fui buscar meus dois medicamentos para tratamento de HIV, que no Brasil são oferecidos gratuitamente pela rede pública graças à quebra de patentes promovida pelos governos FHC e Lula e à produção barata pela Fundação Oswaldo Cruz. Um dos medicamentos custava US$ 2.000 (cerca de R$ 11.050, pela cotação) (Prezcobix) e o outro US$ 1.800 (cerca de R$ 9.946, pela cotação) (Reyataz). De novo dei sorte. A clínica onde faço tratamento é especializada em HIV/Aids, conhece as dificuldades que muitas pessoas têm para realizar seus tratamentos e me indicou um site onde consegui vouchers de desconto de US$ 7.500 (cerca de R$ 41.445, pela cotação) para cobrir o meu “co-pay”.

Mas isso não ocorre com todo mundo. Ficaram famosos aqui dois casos de jovens diabéticos que morreram devido ao alto preço da medicação. O primeiro foi Alec Smith, um jovem de 26 anos de Minnesota, que morreu de cetoacidose diabética três dias antes do seu pagamento. Ele tinha um plano de saúde que custava US$ 450 (cerca de R$ 2.485, pela cotação) por mês, mais US$ 7.500 de coparticipação.

Seu salário anual era de US$ 35 mil anuais (cerca de R$ 193.392, pela cotação). “Alto demais” para ele qualificar para o Medicaid (o plano de saúde público do governo federal), mas ao mesmo tempo insuficiente para bancar os US$ 1.300 mensais (cerca de R$ 7.183, pela cotação) de insulina, mais comida, aluguel, impostos, seguro/leasing do carro e todas as despesas normais. Alec então decidiu aplicar apenas meia dose de insulina para economizar.

A boa notícia, embora tardia, é que o governo de Minessota aprovou uma lei chamada Alex Smith que obriga os laboratórios a fornecer um mês de insulina com uma coparticipação máxima de US$ 35 (cerca de R$ 193, pela cotação) em alguns casos. Em outros casos, têm de fornecer anualmente, podendo ser renovado o auxílio todo ano, com uma coparticipação de apenas US$ 50 (cerca de R$ 276, pela cotação).

Essa lei, no entanto, não ajudaria em nada o jovem Josh Wilkerson, 26, da Virgínia. Ele estava noivo e, devido a sua idade, não podia mais ser dependente do plano de saúde de seu pai. Como estava economizando para seu casamento, decidiu passar a comprar um tipo de insulina mais barato, encontrado nas prateleiras do Wal-Mart ao preço de US$ 25 (cerca de R$ 138, pela cotação) a ampola (um décimo do preço da medicação receitada por seu médico) e que demorava algumas horas para fazer efeito. Wilkerson trabalhava em um canil, ganhava US$ 16,80 por hora e tinha uma despesa mensal de US$ 1.200 com insulina. Ele estava no trabalho quando sofreu três derrames fatais.

Tratamentos desnecessários

O NCBI também cita outro dado muito importante. Em um país onde a saúde é tratada como produto, os médicos, planos de saúde, hospitais e clínicas tendem a querer faturar em cima de tratamentos desnecessários. Segundo dados do instituto, apenas 50% dos americanos recebem de primeira o tratamento que necessitam.

Neste ano eu experimentei esse tipo de prática. Busquei meu otorrinolaringologista para tratar apneia do sono. Ele então me recomendou um tratamento com uma máquina de respirar que me custaria US$ 147 de aluguel mais US$ 25 mensais. Eu já sabia que não iria me adaptar a ficar preso a noite toda a uma máquina, tendo que acordar e interromper e reiniciar o processo (para que o relatório fosse preciso) toda vez que fosse ao banheiro. Meu caso era leve, ou seja, não precisava de uma máquina. Uma prótese dentária resolveria o caso, mas meu médico me alertou que para que o plano cobrisse o tratamento com a prótese eu teria que primeiro passar pela máquina.

Estes são apenas alguns dos absurdos que acontecem no sistema de saúde capitalista que Donald Trump tanto defende. Não à toa, para assustar os eleitores, ele chama a proposta de Joe Biden e de Bernie Sanders de financiar a saúde dos americanos com dinheiro dos impostos de “saúde socialista”.

E o mais espantoso é que muitos estadunidenses têm horror a pensar em saúde pública subsidiada pelo dinheiro dos seus impostos. Primeiro porque as informações que chegam ao americano médio sobre saúde pública em geral são alarmantes: filas de espera imensas, péssima qualidade do serviço. Em geral essas notícias são divulgadas pelo canal de propaganda republicana Fox News. Eles mentem sobre o sistema de saúde canadense, sobre o sistema de saúde cubano, sobre o sistema de saúde britânico, como mentem sobre qualquer coisa que seja estrangeira. Tudo que está fora dos EUA, para a direita americana, é perigoso, ineficiente e ultrapassado. E em um país que foi fundado sob a negação do Estado e sob a égide do individualismo, o americano médio diz o seguinte: “por que eu vou pagar pelo câncer de outra pessoa”?

Por acreditarem que seu sistema de saúde é perfeito, aceitam ser explorados. Por isso que é comum ver histórias como a do homem que recebeu uma conta de US$ 153 mil após ser tratado para uma picada de cobra. Ou que seja moralmente aceito que cobrem US$ 40 de um mãe para que ela sinta a pele de seu bebê recém-nascido. Ou que, sob o mito de que seria mais saudável, a maioria dos meninos nascidos nos Estados Unidos sejam circuncidados a um preço médio de US$ 2.000. Ou que um parto, que na Espanha custa €1.000 aos cofres públicos, custe entre US$ 15 mil e US$ 35 mil nos Estados Unidos.

Por isso é importante que os brasileiros defendam a existência e a melhoria dos serviços oferecidos pelo Sistema Único de Saúde (SUS) brasileiro e não aceitem tentativas de privatização do sistema, como a proposta pelo presidente Jair Bolsonaro na semana passada. Saúde não é produto. É direito humano. É direito à vida. E é para isso também que se paga impostos. Se o Brasil está com problemas de caixa, não é por causa do SUS, é por causa das aposentadorias milionárias de juízes e políticos, por causa do exorbitantes gastos nos gabinetes dos deputados e dos senadores, das rachadinhas, das pensões de filhas solteiras de militares e por aí vai. Entreguem a saúde do brasileiro nas mãos do capital e o resultado será a morte dos mais pobres e o endividamento da classe média.

Fonte: Yahoo Brasil

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/11/04/pilbox-quer-mais-negocios-com-distribuidores-e-redes-regionais/

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