O Banco Central está ‘brigando sozinho’ contra a inflação – e vai ter dificuldade para controlar a alta generalizada de preços, mesmo com o forte aumento da taxa básica de juros e da sinalização de novas altas da Selic mais adiante, segundo analistas ouvidos pelo g1 e pela GloboNews.
A avaliação é que o combate à inflação ficou mais difícil porque o BC não tem tido companhia nessa briga. O que falta, dizem, é uma sinalização do comprometimento do governo Jair Bolsonaro com a responsabilidade fiscal. Isso porque o controle das contas públicas gera um efeito em cascata: melhora a credibilidade do país, atraindo mais investidores estrangeiros; isso se reflete no câmbio, o que ajuda a manter a inflação sob controle.
“A estratégia de combate à inflação não deve ficar exclusivamente nos ombros do Banco Central. É tarefa do governo como um todo”, afirma José Júlio Senna, chefe do Centro de Estudos Monetários do Instituto Brasileiro de Economia da Fundação Getúlio Vargas (Ibre/FGV).
Na quarta-feira (27), o Comitê de Política Monetária (Copom) aumentou a Selic em 1,5 ponto, para 7,75% ao ano, e indicou que vai seguir com o aperto monetário.
Mesmo com a escalada dos juros, no entanto, os analistas já projetam que o Índice de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) encerre este ano com uma alta próxima a 10%. Para 2022, o quadro também é complicado: as previsões têm piorado semanalmente e, algumas, já estão acima do teto da meta, que é de 5%.
Por que o Brasil sofre mais com a inflação?
A inflação se tornou um problema em todo o mundo, mas tem afetado o Brasil de forma mais intensa.
Com a retomada gradual da economia global, depois de superada a fase mais aguda da pandemia, o preço das commodities subiu e se somou ao desarranjo nas cadeias de produção – a crise sanitária paralisou ou reduziu a produção em muitos setores industriais. Essa interrupção provocou uma escassez de produtos, pressionando os custos em todo o mundo.
A maior parte dos países também enfrenta uma crise na área energética, com a disparada dos preços da conta de luz – o que também vem afetando o Brasil. Mas, por aqui, o cenário inflacionário é bem mais desafiador por causa das incertezas política e fiscal.
“A gente tem uma percepção elevada dos riscos político e fiscal. E essa percepção bate na taxa de câmbio”, afirma Senna, que também foi diretor do Banco Central. “O processo inflacionário está representando uma ameaça bastante significativa.”
De fato, o quadro piorou na semana passada com as manobras do governo Bolsonaro para furar o teto de gastos.
A regra é considerada a principal âncora fiscal do país. Ela foi criada na gestão Michel Temer, para tentar resolver um problema crônico das contas públicas, ao limitar o crescimento das despesas – o Brasil tem um endividamento já bastante elevado para os padrões de uma economia emergente.
Agora, sem a credibilidade fiscal, o país vive um ciclo perverso: os investidores tiram seus dólares daqui, o câmbio se desvaloriza, pressiona a inflação, o que leva o BC a ter de endurecer a política monetária.
“O que importa é a sinalização que o país está sem uma âncora. Isso desencadeou uma piora muito grande no prêmio de risco do Brasil”, afirma Solange Srour, economista-chefe do Credit Suisse.
O banco suíço passou a projetar uma inflação de 9,8% para este ano e de 5,8% para 2022.
Qual o papel do teto de gastos na inflação e nos juros?
Na semana passada, o governo Bolsonaro, sob a justificativa de aumentar o valor do Bolsa Família – que será rebatizado como Auxílio Brasil – formalizou a proposta de mudança no teto de gastos.
A alteração contou com o apoio do chamado ‘Centrão’ e da ala política do governo e foi inserida na Proposta de Emenda à Constituição (PEC) dos Precatórios – texto que altera a forma de pagamento das dívidas judiciais da União.
“Temos pouca expectativa de que a gente volte aos trilhos, ou seja, de que a âncora fiscal seja retomada – o que, no final das contas, seria a Câmara e o Senado não aprovarem a PEC dos Precatórios da forma como foi encaminhada’, diz Solange. ‘A gente acha que isso não vai acontecer, que a âncora fiscal não vai ser fortificada como deveria. Com isso, o Banco Central acaba tendo um trabalho isolado.”
Qual o efeito sobre o crescimento?
Na tentativa de evitar uma piora ainda mais acentuada da inflação, a alta de juros vai ter um efeito colateral nas taxas de crescimento do país.
Juros em alta deixam mais caro os investimentos realizados pelas empresas e encarecem o consumo das famílias. Na prática, uma Selic maior esfria a atividade econômica.
O Credit Suisse, por exemplo, avalia que a taxa básica de juros deve subir até o patamar de 11,5% no ano que vem.
“Essa subida dos juros vai levar a uma deterioração do crescimento no ano que vem. A gente já revisou o PIB de 2022 de alta de 1,1% para um crescimento de apenas 0,6%”, afirma Solange. “E eu acho que o risco é de ser mais baixo do que isso. Não descarto uma recessão.”
Mais pessimista, o Itaú também alterou a sua previsão para o PIB de 2022 nesta semana. O banco espera uma retração de 0,5%.
“Nós estamos falando de um crescimento econômico muito baixo no ano que vem, provavelmente entre 0% e 1%”, afirma Senna, do Ibre.
Dominância fiscal
A alta de juros, sozinha, sem a ajuda das contas públicas, para o controle da inflação, ainda abre um debate perigoso: se a economia brasileira pode enfrentar um processo de dominância fiscal.
Nesse ciclo perverso, o aumento da Selic não tem o efeito esperado sobre o controle da inflação. Em vez disso, ele eleva o endividamento do país e afugenta os investidores, diante do medo de insolvência – o que provoca a desvalorização do real e, consequentemente, contribui para o aumento dos preços, num efeito oposto ao desejado.
Por ora, os economistas dizem que o Brasil não vive um quadro de dominância fiscal, mas alertam que o debate deve ganhar força em 2022.
“O Banco Central está fazendo seu dever de casa, está tentando colocar a expectativa de inflação de 2022 mais próxima da meta (que é de 3,5%). Mas, quando o BC faz o seu trabalho sozinho, ele pode ser visto pelo mercado como contraproducente”, afirma Solange.
Fonte: G1
Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/bc-fara-o-que-puder-por-inflacao-dentro-da-meta-em-2022-diz-diretora/