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Cada vez mais empresas buscam uma razão de ser além dos números

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Uma medida inédita passa a valer para os 100.000 funcionários da centenária fabricante de alimentos Danone em 130 países neste ano. Cada um deles receberá uma ação da companhia, listada na bolsa de Paris, e poderá comprar outras em condições favoráveis. Trata-se de um passo simbólico para ajudar a envolver todos os milhares de empregados mundo afora em torno de uma espécie de mutirão. Até maio, eles serão convocados para participar da construção de um plano para desdobrar localmente metas relacionadas aos Objetivos de Desenvolvimento Sustentável, da Organização das Nações Unidas.

O resultado deverá ser um conjunto de ações e indicadores para várias diretrizes, como gerar lucro visando ao crescimento sustentável ou melhorar a saúde da população nas comunidades locais. A linha-mestra desse esforço está num documento denominado “manifesto”, lançado em 2015 pelo francês Emmanuel Faber, presidente mundial da Danone. Trata-se de uma série de compromissos tão ativistas quanto o nome sugere, como: “Permaneceremos unidos para um planeta saudável e vamos dedicar todas as nossas energias para proteger e preservar a abundância da vida”.

Definir uma razão de ser, ou um propósito, que vá além de ganhar dinheiro e remunerar os próprios acionistas e funcionários tem sido um desafio colocado para cada vez mais empresas no mundo. Um levantamento da consultoria EY, realizado em 42 países com mais de 2.000 líderes, mostra que 44% deles dizem trabalhar em companhias em busca de um propósito. Algumas já o encontraram, como a Danone, a companhia aérea americana Southwest Airlines, a fabricante de artigos esportivos Nike e a fabricante de alimentos Nestlé.

É um movimento que se coloca no mesmo patamar de relevância daquele que disseminou a missão e os valores corporativos nos anos 60 em diante. “A missão é o que uma empresa faz, a visão mostra para onde ela vai, os valores indicam seu comportamento, e o propósito esclarece por que ela existe”, afirma o americano Joey Reiman, presidente e fundador da consultoria BrightHouse, pertencente ao The Boston Consulting Group e que já ajudou mais de 2.000 companhias no mundo a definir seu propósito.

Uma pesquisa realizada todos os anos pela consultoria Deloitte para revelar tendências em gestão aponta que, em 2018, pela primeira vez, a maior preocupação, indicada por 65% dos presidentes de empresas entrevistados em 30 países, foi desenvolver o que a consultoria chama de “empresa social”. Trata-se de definir as companhias que se propõem a colaborar para atender a necessidades reais da sociedade.

O movimento ganhou força com a crise financeira desencadeada nos Estados Unidos após a quebra do banco de investimento Lehman Brothers em 2008. Além de ser a pior recessão já registrada desde 1929, a crise recente ajudou a disseminar a percepção das empresas como vilãs que só visam ao próprio lucro sem se importar com a destruição que possam causar ao redor. De lá para cá, o escrutínio público em relação à atuação das companhias só aumentou.

Larry Fink, fundador e presidente do conselho de administração do fundo de investimento americano BlackRock, responsável pela gestão de mais de 6,3 trilhões de dólares em ativos, valor equivalente a mais de três vezes o PIB do Brasil, resumiu a questão em cartas abertas de 2018 e voltou a dizê-la em 2019. Nelas, Fink declarou que as empresas não atingem seu pleno potencial sem traçar um propósito que vá além do financeiro. “A sociedade está demandando que empresas, tanto públicas quanto privadas, sirvam a um propósito social”, ele escreveu. “Para prosperar ao longo do tempo, todas as empresas devem não apenas entregar resultados financeiros como mostrar que se prestam a uma contribuição positiva para a sociedade.”

Mas, para ter impacto prático, é preciso que a mensagem faça sentido com a história e o DNA da empresa. Na fabricante de papel e celulose brasileira Suzano, fundada há 95 anos pelo imigrante ucraniano Leon Feffer, o mergulho para a descoberta do propósito levou cerca de um ano. Ao longo de 2017, uma consultoria entrevistou mais de 300 funcionários, de todos os níveis e localidades em que a Suzano atua, para entender que percepção eles tinham sobre o impacto de seu trabalho na vida das pessoas.

O objetivo era construir, partindo do entendimento dos funcionários, a identidade da companhia, que, entre outras coisas, produz papéis utilizados em material escolar. Para isso foram feitas perguntas como: “Você acha que seu trabalho ajuda na educação brasileira? Por quê?” Além disso, um grupo de funcionários voluntários de diversos níveis hierárquicos resgatou a história da empresa e momentos como a vinda do fundador para o Brasil. A partir de então, o propósito passou a ser orientado pela frase “Desbravamos, cultivando a vida”. “Mais que uma frase na parede, o propósito deve orientar a rotina de trabalho”, diz Walter Schalka, presidente da Suzano.

Um exemplo de como a frase entrou no dia a dia é o aumento da autonomia, inspirado pelo sentimento de “desbravar”. Se antes todos os investimentos eram aprovados exclusivamente pela alta liderança, agora as equipes nas fábricas podem decidir como distribuir um orçamento. A ideia é que, colocados à frente das decisões, os empregados reflitam mais sobre o objetivo do que fazem. Em relação a cultivar a vida, a empresa realiza ações para os funcionários entenderem o impacto dos produtos para os consumidores. “Um lenço que produzimos pode servir para consolar; e um caderno, para construir um futuro”, afirma Schalka.

Falar é importante, mas não basta. Só atitudes tornam o propósito tangível. Por esse motivo, há cerca de cinco anos os funcionários da farmacêutica Roche recebem a cada semestre, num auditório da companhia em São Paulo, um grupo de pacientes tratados ou em tratamento com os medicamentos produzidos por ela mesma. Todos os empregados, inclusive os 750 que trabalham em outras regiões do Brasil, podem acompanhar a transmissão ao vivo. “A equipe vê como trabalha para salvar vidas, e não apenas para gerar números”, diz Patrick Eckert, presidente da Roche no Brasil. Segundo ele, a medida ajuda a tornar tangível o propósito da companhia, lançado em 2013 pela matriz suíça: “Fazer agora o que os pacientes precisarão no futuro”.

Nesse esforço por conectar os funcionários ao propósito da empresa, a fabricante de bens de consumo Unilever, com 161.000 funcionários no mundo, deu um passo além. Em 2017, a companhia comandada pelo inglês Paul Polman passou a oferecer em todos os 190 países em que atua um programa no qual os participantes são convidados a definir seu propósito pessoal. No Brasil, 2 380 funcionários já receberam o treinamento. Ao longo de um dia, um profissional de recursos humanos se reúne com um grupo de até quatro pessoas. As conversas incluem experiências da infância, gostos pessoais e, finalmente, uma reflexão sobre como suas ambições e aptidões pessoais estão ligadas à vida profissional.

Danilo Bastos, gerente da regional de vendas leste, que abrange Rio de Janeiro, Minas Gerais e Espírito Santo, conta que precisou tomar decisões emocionais importantes já aos 12 anos de idade e quase nunca se sentiu numa zona de conforto — o que de certa forma o preparou para lidar com situações de mudanças constantes. “Nunca tinha feito uma análise estruturada sobre isso”, afirma Bastos. “A proposta é incitar a reflexão”, diz Luciana Paganato, vice-presidente de recursos humanos da Unilever. “Encontrar no trabalho parte de seu propósito pessoal aumenta a produtividade e a satisfação.”

Segundo o levantamento da consultoria EY, entre as companhias envolvidas nessa jornada a maioria considera que o principal desafio é levar o propósito para o centro de suas estratégias. “É o ponto em que a companhia está disposta a abrir mão de parte das oportunidades de negócios para seguir à risca o próprio propósito”, afirma Betania Tanure, especialista em cultura corporativa e fundadora da consultoria BTA. É um passo fundamental para evitar o que recebeu o nome de purpose washing, ou seja, a tentativa de criar uma imagem que não corresponde à realidade.

Um exemplo de como estabelecer essa conexão está numa das indústrias mais atacadas nos últimos tempos, a de alimentos. Em uma das acusações, as empresas desse setor têm sido apontadas como responsáveis pelo aumento da obesidade em países emergentes. Em resposta, companhias como a Nestlé têm tomado decisões de mudança. Desde 2016, “Melhorar a qualidade de vida e contribuir para o futuro mais saudável” tornou-se a frase que deve reger o dia a dia dos funcionários.

Em janeiro de 2018, a divisão de chocolates e confeitos nos Estados Unidos foi vendida à italiana Ferrero. A ordem é concentrar esforços para ganhar relevância em produtos saudáveis. Para isso, a Nestlé já anunciou que pretende mudar até 10% de seu portfólio, composto de mais de 2.000 itens. No Brasil, por exemplo, a empresa colocou nas prateleiras uma aveia orgânica. A Danone tem feito algo parecido, com a compra em 2016 da americana WhiteWaves, fabricante de leite de amêndoas e produtos orgânicos, por 10 bilhões de dólares.

Nos dois casos, o motor das mudanças não foi apenas filosófico, mas pragmático. Desde 2015, o mercado de produtos orgânicos cresce cerca de 30% ao ano em todo o mundo. A reformulação foi feita sob pressão de sócios minoritários ativistas, diante de vendas praticamente estagnadas nas categorias tradicionais desse setor nos últimos anos. Como indica o levantamento realizado pela consultoria Deloitte, o fenômeno da “empresa social” vai muito além de altruísmo. Ter propósito é cada vez mais uma condição de sobrevivência das empresas, essencial para manter a reputação, atrair, reter e engajar trabalhadores e cultivar a lealdade entre os consumidores.

Fonte: Exame

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2019/09/26/um-quarto-das-industrias-nao-oferece-plano-de-saude-aos-funcionarios/

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