Depois que os planos de comprar a vacina indiana Covaxin ruíram, na esteira de uma série de denúncias feitas na CPI da Covid contra a representante do produto no Brasil, as clínicas privadas de vacinação do país estão com um problema duplo para conseguir entrar na campanha contra o coronavírus. Primeiro, precisam achar um imunizante à venda, já que os grandes laboratórios têm contratos com governos. Depois, devem lidar com a legislação que, hoje, permite a compra privada de vacinas desde que metade seja aplicada de graça e outra metade doada ao Sistema Único de Saúde (SUS).
Nesse vácuo de opções, prospectar outros imunizantes que ainda estão em estudo se tornou uma frente de atuação de algumas clínicas. Fontes do setor, que não quiseram ser identificadas, afirmam que a vacina produzida em uma parceria entre a francesa Sanofi e a britânica GSK é vista como a mais cotada para abastecer esses serviços caso tenha sucesso em seus estudos, atualmente na fase 3, a última das etapas. Ainda segundo essas fontes, Sanofi e GSK já disseram não se opor à venda ao mercado privado.
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Encerrada a pesquisa, a vacina em vista terá ainda que passar pelo processo de aprovação das agências regulatórias, o que torna esse um plano viável somente para 2022. Como a campanha para os adultos brasileiros já deve estar encerrada até lá, a ideia é que as clínicas possam oferecer o imunizante como uma dose de reforço. A necessidade de uma nova rodada de proteção ainda está em estudo por cientistas, que buscam entender melhor os efeitos dos imunizantes no médio e longo prazos.
Enquanto as clínicas não conseguem cobrar do público pelas vacinas contra a Covid-19, há quem veja a oportunidade de exposição da marca caso consigam entrar na campanha de vacinação.
Procuradas pela reportagem, Sanofi e GSK afirmaram, em nota, que ‘considerando que a vacina encontra-se em fase de desenvolvimento, é cedo para comunicarmos neste momento uma possível estratégia de comercialização, uma vez que a mesma irá depender de diversos fatores ainda a serem avaliados’.
Falta de consenso
A articulação por uma vacina que possa chegar aos serviços particulares, no entanto, não é unanimidade dentro do setor. Na negociação pela Covaxin, de acordo com documentos obtidos pela CPI da Covid, foram 59 as clínicas que assinaram o contrato com a Precisa Medicamentos. Mas, ao todo, a ABCVAC tem mais de 400 associados.
‘Não é o momento (de clínicas privadas comprarem as vacinas). Precisamos antes ver o planeta vacinado, para então pensar em grupos específicos. As clínicas de vacinação existem para complementar o que os governos não oferecem, e para a Covid a saúde pública é a prioridade’, diz Isabella Ballalai, diretora médica da rede Vaccini, que tem 25 unidades no país e optou por não negociar nenhum imunizante até agora.
Na rede Prophylaxis, de 31 unidades franqueadas em todo o Brasil, a entrada na campanha também não faz parte dos planos por enquanto, afirma o diretor da empresa, Daniel Tendler.
‘A Covid não pode ser vista como oportunidade’, justifica ele.
Além da dificuldade de comprar imunizantes, as clínicas enfrentam um problema legislativo. Aprovada em março, a lei 14.125/21 autoriza que estados, municípios e o setor privado comprem vacinas contra a Covid-19, mas dentro de algumas condições. Durante a vacinação dos grupos prioritários, as empresas deveriam doar 100% das aquisições para o SUS. Superada essa etapa da campanha, poderiam aplicar gratuitamente 50% das doses e doar ao SUS a outra metade.
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Na prática, isso esvazia a função das clínicas, segundo Geraldo Barbosa, presidente da Associação Brasileira das Clínicas de Vacinas (ABCVAC), uma vez que, pela legislação, elas não podem receber pelo seu serviço na campanha de Covid. Por isso, o texto aprovado já era um problema para o setor antes mesmo de a negociação da Covaxin se tornar inviável, o que ocorreu quando a vacina ficou sem representante no Brasil.
Encontrar outro imunizante contra Covid que possa ser comprado por entes privados também é um desafio. As principais farmacêuticas ainda estão comprometidas a vender as vacinas apenas para os governos. A Covaxin era uma exceção, vinda de um país em que a vacinação privada contra o coronavírus está em andamento.
Parceria rompida
Em 23 de julho, em meio às denúncias em Brasília, o laboratório indiano Bharat Biotech rompeu a parceria com a Precisa Medicamentos, empresa que, até então, poderia comercializar com exclusividade o produto em território nacional.
Mas, até em um cenário hipotético em que a vinda do imunizante pudesse ocorrer, com a devida aprovação da Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa), as clínicas inicialmente interessadas desistiriam da operação, por causa da lei atual, diz Barbosa.
‘Foi uma lei aprovada a toque de caixa e sem ouvir o mercado’, opina o representante dos donos de clínicas. ‘Tirar um segmento que é totalmente estruturado dessa prestação de serviço não foi inteligente’, completa o dirigente.
Segundo a ABCVAC, as clínicas historicamente são responsáveis por 10% das imunizações no Brasil, sem contar a campanha atual.
Na época em que começaram a parceria, em novembro de 2020, diz Barbosa, imaginavam que a legislação seria bem diferente e não misturaria as obrigações de empresas que gostariam de colocar recursos para imunizar seus funcionários com os negócios das clínicas que aplicam vacinas, como acabou acontecendo na lei 14.125.
Entre algumas das empresas que assinaram contrato com a Precisa, para além de frustração, restaram também contas por acertar. Pelo menos duas companhias, TKS (empresa do grupo Alliar) e MDC Vacinas, buscam na Justiça reaver os valores pagos à farmacêutica para comprar imunizantes.
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‘O descumprimento da Precisa em fazer a devolução dos valores conforme previsto em contrato, mesmo após várias tentativas da TKS em receber de forma amigável o valor devido, levou a TKS a ingressar com uma ação na Justiça’, afirma a empresa, que pagou quase R$ 1 milhão. Já a MDC Vacinas não quis comentar o processo.
Fonte: Voz MT