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Como o uso de Selic na seara trabalhista impacta indenizações por dano moral

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Rodrigo Cunha Ribas

Tem sido amplamente divulgado, sobretudo na comunidade jurídica, o julgamento das ações declaratórias de constitucionalidade 58 e 59, oportunidade na qual o Supremo Tribunal Federal decidiu que, na fase judicial, ou seja, no período posterior ao ajuizamento da reclamatória trabalhista, deve ser utilizada a taxa Selic, em vez da Taxa referencial (TR) ou do Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo Especial (IPCA-E), sem o acréscimo de outra taxa de juros moratórios, como a de 1% ao mês comumente utilizada.

Esse julgamento, porém, impactou a atualização de créditos trabalhistas de uma forma que vem recebendo menos atenção, que diz respeito ao termo inicial dos juros moratórios e da correção monetária, matéria expressamente regulada pelo artigo 883 da Consolidação das Leis do Trabalho (CLT) e pelo artigo 39, §1º, da Lei nº 8.177/1991, bem como pela Súmula 439 do Tribunal Superior do Trabalho, especificamente quanto à indenização por danos morais, contexto ao qual se limitará o presente artigo [1]: “Nas condenações por dano moral, a atualização monetária é devida a partir da data da decisão de arbitramento ou de alteração do valor. Os juros incidem desde o ajuizamento da ação, nos termos do artigo 883 da CLT”.

Foi essa a questão com que se deparou a Vara do Trabalho de Pontes Lacerda, Mato Grosso, quando a contadoria vinculada a esse juízo emitiu parecer nos seguintes termos: “no cálculo foi utilizada a Selic para atualizar o valor da indenização do dano moral a partir da data do arbitramento em 13/11/2020. Logo não tem mais juros a ser calculado após o deferimento dos danos morais, diante da impossibilidade desvincular os juros da correção no uso da taxa Selic. Desta forma, a partir da publicação da sentença somente incide correção pela Selic (juros e correção)”. O entendimento da contadoria foi acolhido pela magistrada: “Entendo que, a partir da decisão do STF nas ADCs 58 e 59, com efeito vinculante e que não faz qualquer distinção entre parcelas de natureza trabalhista em sentido estrito ou de natureza indenizatória, não é possível a aplicação da Súmula 439 do TST na forma pretendia pela parte autora, estando correta a interpretação da Seção de Contadoria no particular[2]”.

Entendimento no mesmo sentido havia sido manifestado dias antes, em acórdão lavrado pelo Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região: “Considerando que a taxa Selic engloba juros e correção monetária, entendo que, para a indenização por danos morais, o índice é aplicável a partir da data de publicação do acórdão, que no presente caso é a data da decisão de arbitramento[3]”.

Portanto, já é possível encontrar precedentes que deixam de aplicar a Súmula 439 do TST, argumentando que o STF, nas ADC’s 58 e 59, posicionou-se no sentido de que os juros moratórios e a correção monetária estão englobados pela taxa Selic, o que tornaria impertinente, sem lógica, a aplicação da referida súmula às condenações ao pagamento de indenização por danos morais.

Nota-se que, vencida essa primeira questão e afastada a aplicação da Súmula 439 do TST nos casos analisados, os magistrados se depararam com outra questão: dentre os dois termos iniciais possíveis previstos na súmula, quais sejam, a data do ajuizamento da reclamatória trabalhista ou a data do arbitramento da indenização, qual deve ser adotado? Em ambos os casos, adotou-se o segundo marco temporal, fixando-se como termo inicial para incidência da taxa Selic a data de publicação da decisão que fixou a indenização por danos morais.

Tal entendimento se alinha à lógica que deu origem à edição da Súmula 362 do Superior Tribunal de Justiça [4], que passou a aplicar um termo inicial distinto para a correção monetária especificamente quanto à indenização por danos morais, afastando a aplicação da Súmula 43 desse próprio tribunal [5], que considera como termo inicial da correção monetária a data do efetivo prejuízo, e não aplicando o marco temporal adotado pelo artigo 240 do Código de Processo Civil, a citação válida [6]. A lógica, como o leitor pode presumir, é que esse tipo de indenização não possui qualquer certeza e liquidez quando o evento danoso ou a citação válida ocorreu [7].

Em outras palavras, nesses dois momentos não é possível saber, primeiro, se de fato a parte será condenada ao pagamento de indenização por danos morais, cuja existência, ou não, em cada caso concreto, é tema dos mais controvertidos, e, segundo, qual será o quantum indenizatório, tema igualmente complexo, de modo que, ainda que quisesse, a parte não teria subsídios mínimos para adimplir a obrigação quando causou o evento danoso ou quando foi validamente citada, não parecendo coerente sofrer a incidência de um consectário vinculado à mora em um desses momentos, quando o devedor ainda não podia ser reputado em mora.

Destarte, parece fundamental que o TST, pelo procedimento e órgão respectivos, proceda à imediata revisão ou cancelamento de sua Súmula 439, ou se manifeste de outra maneira adequada sobre como os jurisdicionados devem interpretar a situação exposta no presente artigo.

[1] A despeito disso, é bastante provável que o problema se apresente, também, com relação a outras verbas, uma vez que, segundo a lógica apresentada neste artigo, nos casos em que se fixava termos iniciais distintos aos juros moratórios e à correção monetária, orientação essa questionável (nesse sentido, vide o voto vencido da Ministra Maria Isabel Gallotti, no julgamento do REsp 1132866/SP, em 23/11/2011, pelo STJ), a tendência é surgir a dúvida sobre qual marco temporal considerar para a incidência da taxa Selic, a qual, segundo o STF, engloba os dois referidos consectários.

[2] Vara do Trabalho de Pontes Lacerda, Mato Grosso. Ação Civil Pública nº 0000246-37.2020.5.23.0096. Juíza: Lucyane Munoz Rocha. Decisão proferida em 3 de maio de 2021. Publicada em 4 de maio de 2021.

[3] Tribunal Regional do Trabalho da 3ª Região. Recurso Ordinário nº 0010518-45.2020.5.03.0097. Relator: Desembargador Cesar Machado. Julgado em 27 de abril de 2021. Publicado em 28 de abril de 2021.

[4] “A correção monetária do valor da indenização do dano moral incide desde a data do arbitramento.”

[5] “Incide correção monetária sobre dívida por ato ilícito a partir da data do efetivo prejuízo.”

[6] “artigo 240. A citação válida, ainda quando ordenada por juízo incompetente, induz litispendência, torna litigiosa a coisa e constitui em mora o devedor, ressalvado o disposto nos arts. 397 e 398 da Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002 (Código Civil).”

[7] “Em se tratando de danos morais, contudo, que somente assumem expressão patrimonial com o arbitramento de seu valor em dinheiro na sentença de mérito (até mesmo o pedido do autor é considerado pela jurisprudência do STJ mera estimativa, que não lhe acarretará ônus de sucumbência, caso o valor da indenização seja bastante inferior ao pedido, conforme a Súmula 326), a ausência de seu pagamento desde a data do ilícito não pode ser considerada como omissão imputável ao devedor, para o efeito de tê-lo em mora, pois, mesmo que o quisesse o devedor, não teria como satisfazer obrigação decorrente de dano moral não traduzida em dinheiro nem por sentença judicial, nem por arbitramento e nem por acordo (CC/1916, artigo 1.064 e cc/2002, artigo 407).” Superior Tribunal de Justiça. Segunda Seção. Recurso Especial nº 1132866/SP. Relatora: Ministra Maria Isabel Gallotti. Julgado em 23 de novembro de 2011. Publicado em 3 de setembro de 2012.

Rodrigo Cunha Ribas é advogado, sócio do escritório Lirani e Ribas Advogados e autor do livro “Incidente de Desconsideração da Personalidade Jurídica”, publicado em 2020 pela Juruá Editora.

Fonte: Revista Consultor Jurídico

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