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Se saída de Mandetta representar ‘mudança radical’, podemos ter ‘caos’, dizem especialistas

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Após muita especulação, a troca de comando do Ministério da Saúde se confirmou na tarde desta quinta-feira (16/04), com o anúncio de que o presidente Jair Bolsonaro (sem partido) demitiu Luiz Henrique Mandetta (DEM-MS) e nomeou o oncologista Nelson Teich para seu lugar.

O principal motivo para a mudança foram as divergências entre Mandetta e Bolsonaro sobre as ações de combate à pandemia do novo coronavírus, em especial as medidas de isolamento social adotadas pelos Estados, que foram apoiadas pelo agora ex-ministro e criticadas pelo presidente.

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Bolsonaro afirmou diversas que isso poderia gerar um impacto socioeconômico pior do que o da própria pandemia e defendeu que elas deveriam ser aplicadas seletivamente aos grupos de risco — o chamado isolamento vertical —, enquanto Mandetta reafirmava a importância da população em geral restringir o contato social para conter a propagação do vírus.

Esse embate gerou um desgastante crescente entre o presidente e Mandetta, e culminou com a substituição, que segundo especialistas ouvidos pela BBC News Brasil, ocorre no momento errado.

Primeiro, porque a pandemia ainda caminha para seu pico no país, e uma mudança na política de enfretamento ao novo coronavírus pode, em vez de achatar a curva de contágio como se pretendia, levar a uma proliferação descontrolada do número de casos e a um colapso do sistema de saúde, como ocorreu na Itália e na Espanha.

Por isso, estes especialistas esperam que a mudança de comando na pasta não signifique uma mudança radical nas ações de combate à pandemia, em especial no que se refere às medidas de isolamento social.

“Todos os dados indicam que ainda estamos caminhando para o pico, estamos em franca expansão do número de casos. Se houver uma mudança na política contra aglomerações, isso pode prejudicar o desfecho da pandemia”, diz Fernando Spilki, presidente da Sociedade Brasileira de Virologia.

O infectologista Marcos Boulos, professor da Faculdade de Medicina da Universidade de São Paulo (USP), diz não ter dúvidas de que um afrouxamento das medidas de isolamento culminará no colapso do sistema de saúde do país.

“Se o presidente ficar feliz por ter tirado quem lhe fazia sombra e continuar a fazer o que estava sendo feito, não haverá problema. Porque o mundo já deixou claro que não há novidade aí: o que temos de fazer é tirar as pessoas de circulação”, diz Boulos.

“Se isso não acontecer, a curva (de contágio) que estava se achatando e chegando próximo do pico para depois diminuir vai voltar a aumentar, e não vai haver estrutura de saúde suficiente para dar conta da situação.”

Mandetta cometeu falhas, mas ‘ouviu a ciência’

O momento também é inadequado para a troca, na avaliação dos especialistas ouvidos pela reportagem, porque Mandetta vinha tomando decisões corretas do ponto de vista técnico.

 

Estes especialistas afirmam, porém, que nem sempre o ex-ministro agiu da forma ideal, especialmente antes de a pandemia atingir o Brasil.

Naquele momento, Mandetta tratou com cautela a adoção de medidas, ao dizer, por exemplo que o Brasil não aplicaria as mesmas “medidas pirotécnicas da China”, referindo-se à quarentena imposta a cidades inteiras pelo governo chinês, e que a covid-19 seria uma doença “com a qual teríamos que conviver”.

“Houve falhas na preparação e na prevenção. Poderia ter sido pensado antes em como a doença chegaria aqui, os testes que seriam necessários, como identificar pessoas suspeitas e encontrar quem tivesse entrado em contato com elas e fazer seu isolamento”, avalia Eduardo Sprinz, chefe do serviço de infectologia do Hospital de Clínicas de Porto Alegre.

Mas, diante do aumento do número de casos, Mandetta mudou de postura e passou a defender o isolamento social como uma medida essencial para conter a propagação do vírus.

“Acho que o ministro foi bastante moderado em sua conduta e postergou certas medidas que poderiam ter sido tomadas desde o começo, mas depois fez o que achou que era necessário, porque percebeu que a situação estava tomando proporções maiores do que deveria”, diz o infectologista Benedito da Fonseca, professor da Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da USP.

“Mas o Brasil é um país muito grande e diverso, e tomar estas decisões é mesmo difícil. Não dá pra acertar 100% do tempo.”

Sprinz afirma que, quando a epidemia chegou, Mandetta “ouviu a ciência”. “Talvez, no Brasil, as coisas sejam assim: é preciso sentir o perigo na carne para tomar as atitudes corretas”, afirma o infectologista.

Spilki recorda que, depois de assumir o cargo, Mandetta chegou a fazer declarações “dúbias” que colocavam em xeque a importância do Sistema Único de Saúde (SUS).

“Mas depois ele vestiu o colete do SUS e demonstrou a importância do sistema para o controle de uma crise de saúde pública como essa”, diz o virologista.

Boulos destaca que, assim como Teich, Mandetta também não tinha grande experiência com saúde pública e era visto mais como um político e um empresário do setor do que como um gestor de saúde pública. Mas o infectologista diz que o agora ex-ministro se cercou de pessoas com perfil técnico que o assessoraram bem ao longo da pandemia.

“Essa base que o Mandetta montou deu suporte a ele. O que era falado por ele tinha coerência com o que estava sendo feito no mundo todo”, diz Boulos.

Transição e manutenção do isolamento

Por isso, será essencial agora que haja uma boa transição entre as equipes de Mandetta e Teich.

“É importante que, no combate a esta pandemia, haja memória, que as coisas que estão sendo feitas sejam transmitidas para a nova equipe, para que haja alguma continuidade e nada seja perdido”, diz Sprinz.

E também que as decisões do ministério continuem a ser tomadas com base em informações científicas e técnicas, diz Fonseca.

“Não conheço o próximo ministro, mas minha expectativa e desejo pessoal como pesquisador é que ele se cerque de pessoas técnicas e que as estratégias definidas até o momento sejam mantidas. Se temos hoje uma epidemia com um número de casos que é pequeno, mas aceitável, é porque essas medidas estavam dando resultado”, afirma o infectologista.

Se isso acontecer, a troca de ministros não terá muito impacto, diz Fonseca. “Só não podemos afrouxar o isolamento social neste momento, senão a doença pode se espalhar por todo o território nacional, e vai demorar muito mais tempo para a gente conseguir conter e vamos ter de tomar medidas mais drásticas adiante.”

Os especialistas ouvidos pela BBC News Brasil destacam ainda que, diante das crescentes objeções do Planalto às medidas de distanciamento social, os Estados tiveram um papel importante na aplicação desta estratégia — um papel que ganhará ainda mais relevância caso haja uma mudança de política no Ministério da Saúde.

“O ministério vinha dando o arcabouço técnico para o Estados. A depender do que virá, o que ainda é uma incógnita, pode haver conflito de discursos, e a manutenção do isolamento dependerá cada vez mais da perseverança dos Estados”, diz Spilki.

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/04/13/o-risco-da-covid-19-entre-os-mais-pobres/

Antes, havia um certo alinhamento entre os Estados e o Ministério da Saúde, diz Boulos. Mas uma mudança no comando do ministério pode levar a ainda mais divergências entre o governo federal e os governos estaduais, o que pode agravar a pandemia.

“Se a orientação que parte do ministério mudar, por exemplo, para a adoção de um isolamento vertical, isso não vai ser seguido pela maioria dos Estados, porque o Judiciário já disse que eles têm autonomia para decidir como agir. Mas alguns podem seguir o governo, e, como as fronteiras não são virtuais, um Estado vai contaminar o outro. Vai ser o caos.”

Fonte: Yahoo Brasil

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