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Entraves do uso do canabidiol: importação, aquisição e plantação da maconha

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A discussão que não é recente e que gera a judicialização de diversas demandas tanto na esfera cível como na criminal é o debate que envolve o uso e a plantação de maconha para fins medicinais. Isso porque a controvérsia gira em torno da legalidade ou não em ambas as searas.

Antes de adentrar à análise de processos que envolvem o assunto, é incontroverso que, para determinadas doenças, o uso da cannabis sativa, planta conhecida como maconha, tem sido recomendada por médicos a pacientes diagnosticados com epilepsia grave, Parkinson, autismo, ansiedade e depressão graves, entre outras.

Contudo, é importante ressaltar que mais de 400 substâncias podem ser extraídas da maconha, sendo uma delas o canabidiol (CBD), sendo que dessa substância não há que se falar em efeito psicoativo como é o caso do THC (outra substância que se extrai da planta). (SANTOS, jornal.usp.b, de 15/08/2018).

Apesar da aprovação da resolução nº 2.113 do Conselho Federal de Medicina que determinou, portanto, o uso do canabidiol para o tratamento de epilepsias àquelas pessoas que já não respondiam a tratamentos convencionais, bem como a posterior autorização pela própria Anvisa para a importação de tais fármacos, a questão é que essa importação perpassa não só pelo seu elevado custo, mas também a dificuldade encontrada em razão da burocracia que se exige para tanto.

É inegável que as diversas demandas judiciais, pelo menos no que se refere à de natureza cível se dão pela negativa do Estado ou das operadoras de planos de saúde em fornecer/custear o medicamento prescrito pelo médico que assiste o paciente. Diante das negativas, não há alternativa às pessoas que do medicamento necessitam que a judicialização para buscar a garantia prevista na própria Constituição Federal quanto ao direito à vida, à saúde, à dignidade humana.

O que se pretende demonstrar aqui é que tanto os julgados dos tribunais regionais como do próprio Superior Tribunal de Justiça, tanto no que se refere à obrigatoriedade de planos de saúde de fornecerem e custearem medicamentos oriundos do canabidiol em razão de laudos médicos anexados aos autos que demonstram a eficácia do tratamento ao paciente/jurisdicionado bem como o recente precedente da 6ª Turma do STJ, julgado em 14 de junho de 2022, que concedeu salvo-conduto para pacientes cultivarem cannabis com finalidade medicinal não dão azo à utilização para fins recreativos da maconha, não podendo, pois, confundir as situações em debate nos processos com a descriminalização do uso da maconha.

Pois bem, em 2019, a Anvisa publicou a Resolução da Diretoria Colegiada (RDC) nº 327, de 9 de dezembro de 2019, que estabelece em seu artigo 1º o seguinte:

“Artigo 1° Esta Resolução define as condições e procedimentos para a concessão da Autorização Sanitária para a fabricação e a importação, bem como estabelece requisitos para a comercialização, prescrição, a dispensação, o monitoramento e a fiscalização de produtos de Cannabis para fins medicinais de uso humano, e dá outras providências.”

Dentre as definições constantes da resolução, cumpre registrar a impossibilidade de extração de tetrahidrocanabidiol, o THC, acima de 0,2%.

O sentido da resolução e de outras normas que visam o uso para fins meramente medicinais bem como as decisões judiciais que tratam o assunto não possuem, portanto, o condão de legalizar a maconha.

A partir da regulamentação de 2019, a Anvisa pôde aprovar outros produtos à base da cannabis. Contudo, a RDC 327 possui caráter transitório, pois determina em seu artigo 77, parágrafo único, a revisão dessa norma depois de três anos, ou seja, nesse ano de 2022.

Todavia, em que pese os 78 dispositivos legais insertos na Resolução, as demandas judiciais que versam sobre o uso medicinal e ainda sobre o direito de o particular poder plantar a semente da maconha para a extração própria do canabidiol em razão do alto custo de importação e em vista da elevada burocracia para se conseguir o medicamento só aumentam. Percebe-se, então, o receio, a dificuldade ainda existentes pelos órgãos reguladores quanto ao fornecimento, custeio, etc, às pessoas que necessitam da utilização para a melhoria e/ou cura da doença.

A discussão a respeito do assunto vai além de questões econômicas, administrativas, pois envolve o aspecto político e social quanto à polarização acerca da possibilidade da abertura para uma possível legalização da maconha não só no âmbito medicinal, mas para o uso recreativo.

Enquanto isso e até que seja reapreciada a regulamentação disposta na RDC 327/2019 da Anvisa, cabe ao Poder Judiciário a apreciação de casos concretos para garantir ou não o direito àqueles que necessitam do uso do canabidiol para fins medicinais a depender da condição ou patologia que enfrenta.

A controvérsia que paira no debate é o direito à saúde x a descriminalização do uso da maconha. Contudo, para que uma pessoa hoje tenha o direito de plantar e cultivar a maconha para o uso medicinal, ela necessita da autorização judicial, sob pena de incorrer em crime. Isso porque a própria Lei nº 11.343/2006 dispõe em seu artigo 34 a existência do crime “fabricar, adquirir, utilizar, transportar, oferecer, vender, distribuir, entregar a qualquer título, possuir, guardar ou fornecer, ainda que gratuitamente, maquinário, aparelho, instrumento ou qualquer objeto destinado à fabricação, preparação, produção ou transformação de drogas”.

Porém, a aplicação do dispositivo constante da Lei de Drogas só pode ser interpretado para aquelas pessoas que produzam a droga com finalidade destinada ao tráfico.

Para o uso pessoal, o artigo 28 do mesmo diploma legal estabelece pena de advertência ou de prestação de serviços comunitários quando estabelece que quem “adquirir, guardar, tiver em depósito, transportar ou trouxer consigo, para consumo pessoal, drogas sem autorização ou em desacordo com determinação legal”.

E é por força dos tipos penais em questão, que mesmo com a autorização da Anvisa para a utilização de fins medicinais do canabidiol pessoas naturais necessitam propor ações judiciais para que tenham autorização legal sem que respondam pelo crime de uso ou eventual tráfico de drogas.

Na seara cível, para se adquirir um medicamento à base de canabidiol, tendo em vista a necessidade de importação de vários deles, mesmo com a autorização da Anvisa, operadoras de plano de saúde mantêm-se negando o fornecimento pelo entendimento de que tal tratamento não se encontra previsto no contrato ou no rol da ANS ou de que não há o registro no território nacional.

Outro problema que se passa a enfrentar é que em 08.06.2022, a 2ª Seção do STJ definiu pela taxatividade mitigada do rol da ANS quanto à obrigatoriedade de cobertura de tratamentos pelas operadoras de planos de saúde.

Nesse sentido, a dificuldade para se obter tratamento medicinal com o uso da canabbis encontra obstáculo na seara criminal e cível, sendo imperiosa a judicialização dos casos para análise do caso concreto, o que sobrecarrega o Poder Judiciário pela ausência expressa e permissiva do tratamento medicinal de uso de canabidiol no rol da ANS ou a autorização, sem necessitar da intervenção do judiciário, para um particular plantar a semente e dela poder extrair a substância de caráter medicinal.

Referências

BRASIL. Constituição (1988). Constituição da República Federativa do Brasil.

Brasília, DF: Senado Federal, 1988. Disponível em: . Acesso em 02 de julho de 2022.

https://pfarma.com.br/noticia-setor-farmaceutico/legislacao-farmaceutica/4909-rdc-327-2019-norma-sobre-produtos-derivados-da-cannabis.html. Acesso em 02 de julho de 2022.

http://www.planalto.gov.br/ccivil_03/_ato2004-2006/2006/lei/l11343.htm. Acesso em 30 de maio de 2022.

https://portal.cfm.org.br/canabidiol/ Acesso em 30 de maio de 2022.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/14062022-Sexta-Turma-da-salvo-conduto-para-pacientes-cultivarem-Cannabis-com-fim-medicinal.aspx. Acesso em 02 de julho de 2022.

https://www.stj.jus.br/sites/portalp/Paginas/Comunicacao/Noticias/26102021-Plano-de-saude-deve-custear-medicamento-a-base-de-canabidiol-com-importacao-autorizada-pela-Anvisa.aspx. Acesso em 01 de julho de 2022.

SANTOS, Rafael Guimarães dos. jornal.usp.br, publicado em 15/08/2018.

Camila Nogueira de Resende Lopes Ribeiro é advogada, professora de Processo Civil e Métodos Adequados de Solução de Conflitos, mediadora de conflitos, mestra em Ciência Política e especialista em Processo Civil.

Fonte: Consultor Jurídico

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