Ressurge a ameaça de transformar remédios em mercadorias. Segundo apuração do Panorama Farmacêutico, o governo federal prepara uma Medida Provisória (MP) que autorizaria supermercados a comercializar medicamentos isentos de prescrição (MIPs).
O texto da MP estaria em gestação no Ministério da Economia, por meio da Secretaria Especial de Produtividade, Emprego e Competitividade. O ministro Paulo Guedes deu pistas sobre o assunto ao defender abertamente a venda desses remédios fora do ambiente de farmácias, durante um fórum do setor supermercadista no último dia 17 de junho.
Em 2019, o próprio Ministério e integrantes da base governista no Congresso Nacional chegaram a cogitar a inclusão desse item na MP 881, conhecida como Medida Provisória da Liberdade Econômica. Mas o plano não vingou após mobilização de entidades ligadas ao mercado farmacêutico.
Histórico de tentativas frustradas
Mesmo depois de o Superior Tribunal de Justiça (STJ) decidir pela proibição definitiva dos MIPs em supermercados, em 2004, o Parlamento insiste em reverter esse cenário. Em 2009, o deputado Sandro Mabel tentou autorizar novamente a liberação por meio da MP 549/11, mas esta foi rejeitada na Câmara dos Deputados e vetada em 2012 por Dilma Rousseff.
Em fevereiro de 2018, o PL 9.482/2018, de Ronaldo Martins (PRB-CE), foi encaminhado para a Comissão de Seguridade Social e Família (CSSF). No entanto, saiu da pauta pelo fato de o parlamentar não ter sido reeleito. O então presidente Michel Temer sinalizou apoio à iniciativa depois de analisar um pedido da Associação Brasileira de Supermercados (Abras) para agilizar a votação. Em junho de 2019, foi a vez de o senador Flávio Bolsonaro (Patriota-RJ) sugerir a alteração da Lei 5.991/73. Uma das alegações foi baseada justamente em um encontro com executivos da entidade supermercadista.
A Câmara Municipal de São Paulo ensaiou um movimento similar no ano passado, mas no fim aprovou um projeto do vereador Gilberto Natalini (PV-SP) para vetar os remédios isentos de prescrição não apenas em supermercados, como também em bares, lanchonetes, hotéis e restaurantes. “Medicamentos são bens de vital importância para a saúde da população e sua oferta indiscriminada aumentaria o número de intoxicações”, argumenta o parlamentar.
Reação do varejo farmacêutico
Entidades do varejo farmacêutico já se mobilizam para combater essa nova tentativa e planejam uma ação coordenada, inclusive na Justiça. “Seria a concessão de um privilégio indevido a um segmento econômico. Não precisamos de mais lugares para vender remédios, e sim de um trabalho educacional para orientar o uso racional de medicamentos, valorizando o papel do profissional farmacêutico”, critica Sérgio Mena Barreto, CEO da Abrafarma.
O dirigente endossa seu argumento com indicadores da IQVIA. De acordo com a consultoria, mais de 102 mil pontos de saúde estão disponíveis à população, entre farmácias, clínicas e hospitais das redes privada e pública. Somente 59 dos 5.570 municípios brasileiros não contam com nenhum desses estabelecimentos. “Estamos falando de 0,01% do país, o que quebra a alegação de que os MIPs em supermercados vão ampliar o acesso à saúde”, acrescenta.
Um vídeo assinado pelo Conselho Federal de Farmácia (CFF) e pelos conselhos regionais da categoria reforça em números o alerta para os riscos crescentes da venda de MIPs fora das farmácias. As internações por intoxicação de medicamentos geram um custo anual de R$ 60 bilhões ao Sistema Único de Saúde (SUS). Paracetamol (2.494 casos), ibuprofeno (1.625) e dipirona (811) lideraram o número de ocorrências em 2019.
“Temos quase 90 mil farmácias e cerca de 221 mil farmacêuticos no país. Não há justificativa sanitária e econômica para tirar do varejo farmacêutico a exclusividade sobre os MIPs”, defendeu o CFF no vídeo.
Tiro no pé
Na visão de Sérgio Mena Barreto, a MP poderia representar um grande tiro no pé. “A rede pública de saúde teria de assumir mais despesas com problemas decorrentes do uso desses medicamentos, onerando os cofres do governo. E a venda em outros estabelecimentos poria em risco o switch dos MIPs, colocando toda a categoria em suspeição e comprometendo os negócios dos fabricantes”, opina.
Fonte: Redação Panorama Farmacêutico
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