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O que ainda falta esclarecer nas suspeitas contra a Prevent Senior

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As suspeitas de que a operadora de saúde Prevent Senior usou pacientes como cobaias em estudos, fraudou dados de mortes por covid-19 e pressionou médicos a prescreverem remédios ineficazes contra a doença podem dar novo fôlego à CPI da Covid, que chegou inicialmente a anunciar a entrega do relatório final para setembro. Com o surgimento das denúncias, os senadores cogitam manter os trabalhos até o final de outubro – o limite da comissão é 5 de novembro. Seu desafio será esclarecer uma série de pontos ainda nebulosos no caso.

As denúncias partiram de um dossiê entregue à comissão, preparado por 15 médicos e ex-médicos da empresa. A Prevent Senior acusa os autores do documento de adulterar informações privadas de pacientes e se diz vítima de uma armação. Em depoimento à CPI, na quarta-feira (22), o diretor executivo médico da operadora, Pedro Benedito Batista Júnior, apontou inconsistências no dossiê, mas também confirmou procedimentos na empresa que corroboram denúncias.

Na quinta-feira (23), o Ministério Público de São Paulo criou uma força-tarefa para investigar o caso. A ANS (Agência Nacional de Saúde Suplementar) e o Conselho Federal de Medicina também apuram as suspeitas. Neste texto, o Nexo mostra quais irregularidades já foram confirmadas em depoimentos, entrevistas e por documentos (como prontuários e atestados de óbitos de pacientes) e o que ainda falta ser explicado no caso envolvendo a empresa.

Um estudo sem autorização

O dossiê enviado à CPI aponta que mortes foram omitidas de um estudo da Prevent Senior iniciado em 25 de março de 2020 para avaliar a eficácia da hidroxicloroquina e da azitromicina (um antibiótico) contra a covid-19. Na mesma data, o então ministro da Saúde, Luiz Henrique Mandetta, havia anunciado a distribuição da cloroquina como uma terapia auxiliar para pacientes hospitalizados com covid-19 em estado grave. A OMS (Organização Mundial da Saúde) abandonaria as pesquisas com a substância, por não encontrar benefícios, em 4 de julho de 2020.

O estudo contou com 636 pessoas, das quais 412 receberam o ‘kit covid’. Seus resultados sugerindo a eficácia da cloroquina começaram a circular na internet em 17 de abril, mas o trabalho só foi publicado num site de pré-prints (estudos não revisados por outros cientistas) em 20 de abril. A conclusão era que a necessidade de hospitalização foi quase três vezes maior entre os que não receberam os medicamentos.

Os pesquisadores citaram apenas duas mortes ocorridas entre os que tomaram os remédios, mas dizem que elas ocorreram devido a uma ‘síndrome coronariana aguda’ e a um ‘câncer metastático’. Uma planilha incluída no dossiê entregue à CPI, porém, aponta nove mortes, das quais seis estariam no grupo que recebeu hidroxicloroquina e azitromicina, e duas, no grupo controle – uma última aparece sem informações.

Em seu depoimento, Pedro Benedito Batista Júnior disse à CPI que os dados fazem parte, na verdade, de um documento observacional – e não de um estudo. Inicialmente, porém, ele foi aprovado como estudo pela Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisa) em 14 de abril, mas acabou suspenso no dia da sua publicação porque o órgão descobriu que ele tinha começado antes mesmo da aprovação, o que não é permitido. O caso foi enviado ao Ministério Público, que começou a investigá-lo em dezembro de 2020.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente-executivo da Prevent Senior, Fernando Parrillo, também negou que os dados compilados tratavam-se de um estudo científico. ‘Era um acompanhamento observacional de pacientes, uma planilha das doenças e a evolução. Não foi usado placebo nem duplo cego, não foi randomizado, como se deve fazer em trabalhos desse tipo. Não faria sentido fazer uma pesquisa no meio da pandemia. Somos uma empresa privada, paga para salvar vidas’, afirmou.

Segundo ele, o artigo escrito a partir dos dados ‘não prova que essas drogas funcionam porque, para isso, precisaria de pesquisa científica’. Apesar disso, os resultados foram divulgados – e usados politicamente. Ele alegou que a divulgação ocorreu porque a empresa ‘queria ajudar’.

A ligação com Bolsonaro e o ‘gabinete paralelo’

Os resultados obtidos pela Prevent Senior foram divulgados nas redes sociais pelo presidente Jair Bolsonaro (em 18 de abril de 2020) e por seus filhos para defender a cloroquina. Segundo o dossiê enviado à CPI, o estudo foi parte de um acordo da empresa com o presidente para disseminar a substância. Em 21 de março de 2020, Bolsonaro havia ordenado aos laboratórios das Forças Armadas o aumento na produção do medicamento, tradicionalmente usado contra a malária.

O desafio dos parlamentares será provar essa ligação, que é negada pela Prevent Senior. O elo, segundo a CPI, pode estar nos médicos apontados como integrantes de um gabinete paralelo que orientava Bolsonaro a agir na pandemia.

A médica responsável pelo tratamento do médico Anthony Wong, que morreu em decorrência da covid-19 num hospital da Prevent Senior no começo de 2021 sem que a doença constasse em seu atestado de óbito, foi a bolsonarista Nise Yamaguchi, conhecida defensora da cloroquina, segundo apuração da revista Piauí. Ela nega ter tratado Wong.

Os senadores também exibiram na quarta-feira (22) um vídeo do virologista Paolo Zanotto, da USP (Universidade de São Paulo), dizendo que estava desenvolvendo um protocolo para a empresa – o que foi negado por Batista Júnior. Yamaguchi e Zanotto já se reuniram com Bolsonaro para tratar de remédios ineficazes.

Outra linha de investigação diz respeito ao empresário Carlos Wizard, que é apontado como um dos organizadores do gabinete paralelo. O diretor da operadora, Batista Júnior, foi incluído num grupo de WhatsApp pelo empresário, possivelmente para discutir o tratamento precoce. Ele confirmou à CPI que foi colocado no grupo, mas alegou ter se retirado imediatamente por não ter recebido explicações sobre o que se tratava. A Prevent Senior nega qualquer relação com Bolsonaro.

As datas dos dados e mortes

Há também pontos a esclarecer sobre a veracidade das mortes citadas pelo dossiê (e excluídas do estudo) e as datas em que elas teriam acontecido. Segundo Batista Júnior, diretor da Prevent Senior, a análise do estudo compreendia dados levantados no período de 26 de março a 4 de abril de 2020. Nesses dias, apenas duas mortes foram observadas, segundo ele. O trabalho foi publicado em 20 de abril.

Batista Júnior alega que as notícias que vêm sendo divulgadas sobre o caso tiram ‘totalmente de contexto’ o estudo por incluir mortes (apontadas pelo dossiê) que ocorreram após o dia 4 de abril.

Há ao menos duas inconsistências. Uma mulher de 70 anos identificada com as iniciais M.C.O, citada pelo dossiê entre os pacientes mortos que receberam o tratamento precoce, não teria morrido, segundo Batista Júnior. ‘Aquela paciente a que eu dei atenção – M.C.O., 70 anos, feminino – eles colocaram como morta, mas a paciente está viva, e ela passou em consulta agora no último dia 7 de setembro [de 2021] conosco’, afirmou o diretor da Prevent Senior em depoimento à CPI.

Além disso, um homem de 83 anos que aparece com as iniciais R.A.V, também na relação de mortos do dossiê, foi identificado pela GloboNews como sendo Rogério Antonio Ventura, um sapateiro português. Ele morreu em 25 de abril de 2020, data que foge do período analisado no estudo (publicado em 20 de abril).

Em nota, a Prevent Senior afirmou ainda que Ventura ‘não morreu de covid nem de efeitos colaterais medicamentosos, mas de complicações decorrentes de um enfisema pulmonar preexistente’.

A empresa, porém, não explicou por que no prontuário dele, obtido pela GloboNews, consta que ele tomou hidroxicloroquina e azitromicina mesmo que apresentasse problemas cardíacos. Ele não passou por um eletrocardiograma, como determina o protocolo da empresa para pacientes que usam o medicamento. A hidroxicloroquina pode trazer alterações cardíacas, segundo estudos científicos.

As suspeitas de falta de consentimento

Outra denúncia feita pelos médicos e ex-médicos da empresa aponta que pacientes foram medicados com o tratamento precoce sem consentimento. Em mensagem enviada à equipe, incluída no dossiê, um dos diretores da Prevent Senior orienta os profissionais a não avisar os pacientes e familiares sobre a medicação usada no estudo.

‘Iremos iniciar o protocolo de HIDROXICLOROQUINA + AZITROMICINA. Por favor, NÃO INFORMAR O PACIENTE ou FAMILIAR, [sic] sobre a medicação e nem sobre o programa’, dizia a mensagem, divulgada pela GloboNews em 16 de setembro.

O Código de Ética Médica veda ao profissional ‘deixar de obter consentimento do paciente ou de seu representante legal após esclarecê-lo sobre o procedimento a ser realizado, salvo em caso de risco iminente de morte’. Em relação aos estudos clínicos, também proíbe que ele deixe de ‘obter do paciente ou de seu representante legal o termo de consentimento livre e esclarecido para a realização de pesquisa envolvendo seres humanos, após as devidas explicações sobre a natureza e as consequências da pesquisa’.

No caso do paciente Rogério Antonio Ventura, identificado pela GloboNews e que estava na lista de mortos que tomaram a cloroquina, a empresa afirmou que ‘o paciente citado deu anuência ao atendimento médico prestado como todas as demais pessoas acolhidas’.

O diretor da empresa Pedro Benedito Batista Júnior afirmou à CPI que a ANS instaurou procedimentos ‘no começo, no meio e no final de 2020’ para apurar denúncias semelhantes de irregularidades e concluiu pela ‘inexistência de infração’. Ele disse que poderia apresentar todos os termos de consentimento dos pacientes aos senadores.

Em 17 de setembro, após a revelação do dossiê, fiscais da ANS foram à sede da empresa, em São Paulo, para recolher documentos sobre as suspeitas em torno da falta de consentimento e as denúncias de que a Prevent Senior pressionava médicos a prescrever o tratamento precoce. A agência também fez questionamentos a dezenas de médicos e pacientes sobre os procedimentos da operadora, como parte da investigação.

Segundo Batista Júnior, o dossiê foi feito ‘a partir de dados furtados de pacientes’, com o objetivo de atacar a empresa. ‘O modelo de operação [denúncia dos ex-médicos] chama a atenção, pois os acusadores nunca levaram os dados à Justiça. Sempre tentaram ferir a imagem da Prevent Senior na imprensa com denúncias anônimas e, posteriormente, buscavam contatos com o nosso setor jurídico para firmar acordos’, disse o diretor. A Prevent Senior pediu na segunda-feira (20) à Procuradoria-Geral da República que se apurasse a responsabilidade pelas denúncias.

Em entrevista ao jornal Folha de S.Paulo, o presidente-executivo da operadora, Fernando Parrillo, também afirmou que todos os pacientes consentiram com o uso dos medicamentos no estudo. Questionado, porém, sobre a mensagem de um dos diretores da empresa para não avisar o paciente e os familiares sobre os remédios usados, Parrillo se limitou a responder sobre o aviso às famílias. ‘Não queríamos criar uma expectativa grande em relação à hidroxicloroquina, porque não havia a droga em quantidade suficiente à época. Era para evitar um boom de pedidos’, respondeu.

Os casos de fraude nos atestados

A CPI também precisa esclarecer se a omissão da covid entre as mortes era uma prática generalizada pela empresa. Prontuários médicos obtidos pela revista Piauí e pelos próprios senadores da comissão mostraram que, em ao menos dois casos de pacientes mortos em hospitais da Prevent Senior, a covid-19 foi omitida como causa da morte, o que é vedado pelo Código de Ética Médica e pode se configurar crime de falsidade ideológica.

Os dois casos são:

Anthony Wong: conhecido por suas posições negacionistas, o médico foi internado com covid-19 numa unidade da operadora em 17 de novembro de 2020 e morreu em 15 de janeiro de 2021 sem que a infecção constasse como causa oficial. A revista Piauí teve acesso ao prontuário médico de mais de 2.000 páginas e ao atestado de óbito dele.

Regina Hang: mãe do empresário bolsonarista Luciano Hang, da rede de lojas Havan, foi internada em 1º de janeiro de 2021 no hospital Sancta Maggiore, da Prevent Senior, com covid-19 e morreu em 3 de fevereiro de 2021. A doença também não aparece no atestado de óbito. Seu prontuário foi exibido pelos senadores na CPI.

O reconhecimento por Batista Júnior na CPI de que mudanças nos diagnósticos ocorriam sugere irregularidades. Quando os pacientes davam entrada nos hospitais da rede e tinham a infecção por covid-19 confirmada, recebiam o código B34.2, o que faz parte de um protocolo seguido por todos os estabelecimentos de saúde. Esse código é chamado de CID (Classificação Estatística Internacional de Doenças e Problemas Relacionados com a Saúde).

Uma orientação interna, que consta no dossiê, determinava que a CID da covid-19 fosse retirada depois de algumas semanas. ‘Após 14 dias do início dos sintomas (pacientes de enfermaria/apto) ou 21 dias (pacientes com passagem em UTI/Leito híbrido), o CID deve ser modificado para qualquer outro exceto o B34.2 (código da covid-19) para que possamos identificar os pacientes que já não têm mais necessidade de isolamento. Início imediato’, dizia a mensagem.

Segundo Batista Júnior, a mudança teria como objetivo ‘identificar os pacientes que já não têm mais necessidade de isolamento’ por conta da covid Para os senadores, isso eliminaria a identificação da doença como causa da morte dos pacientes nos atestados de óbito, alterando as estatísticas de mortes por covid-19 na rede.

Batista Júnior afirmou à CPI que a taxa de óbito de pacientes com covid-19 acima dos 90 anos na Prevent Senior era 29%, abaixo da observada na cidade de São Paulo, que é de 39%. Os senadores consideraram que esse número só foi obtido porque a operadora falsificava os prontuários.

O presidente executivo da empresa, Fernando Parrillo, afirmou em entrevista à Folha de S.Paulo que, embora o CID fosse alterado, a covid-19 constava no atestado de óbito. Tanto Batista Júnior quanto Parrillo, porém, não comentaram os casos de Wong e Hang dizendo que não podem falar de casos específicos de pacientes sem autorização das famílias.

A família de Wong enviou uma nota à revista Piauí: ‘A família informa que não tem poder para alterar nenhuma informação no atestado de óbito e vê com incredulidade a invasão do prontuário. Informa ainda que não existe nada a ser dito e pede que respeite o nome do doutor Anthony Wong.’

Em nota, Luciano Hang afirmou ter total confiança nos procedimentos adotados pela Prevent Senior no tratamento à sua mãe. Ele disse lamentar que ‘um assunto tão delicado seja usado como artifício político’ para atingi-lo, pelo fato de ‘não concordar com as ideias de alguns membros que fazem parte dessa CPI’.

A CPI decidiu ouvir Hang na quarta-feira (29) para explicar o caso de sua mãe. Um dia antes, na terça (28), está marcado o depoimento da advogada Bruna Morato, que representa os autores do dossiê. Ao menos um desses médicos se disse ameaçado e procurou a polícia para fazer um boletim de ocorrência contra o diretor da empresa, Batista Júnior. Outros seis autores do documento ainda trabalham na operadora. Eles procuraram a advogada para pressionar a Prevent Senior a reconhecer que o estudo sobre a cloroquina foi inconclusivo e que a prescrição de medicamentos ineficazes era imposta pela empresa.

Uso e distribuição de cloroquina

A Prevent Senior comprou entre março e junho de 2020 ao menos 1,5 milhão de caixas dos remédios que integram o tratamento precoce, segundo dados enviados pela empresa à CPI. Eles eram distribuídos nas farmácias de seus hospitais ou enviados para a casa dos pacientes atendidos remotamente por telemedicina.

Apesar de os medicamentos não serem indicados para a covid-19 pelas principais entidades médicas do Brasil e do mundo, por não terem se mostrado eficazes em estudos, eles continuam sendo usados pela empresa em 2021. Batista Júnior, diretor da operadora, confirmou à CPI que isso ainda acontece.

O hospital se baseia em uma posição do Conselho Federal de Medicina para defender o uso dos remédios. O posicionamento do órgão sobre o tema está num parecer de abril de 2020 que não foi mais atualizado, apesar de as entidades nacionais e internacionais de saúde terem abandonado estudos com cloroquina por ela se mostrar ineficaz.

O conselho diz, no parecer, que os profissionais devem nortear o tratamento do paciente com covid-19 pelo princípio da autonomia do médico e na valorização da relação médico-paciente. Essa autonomia permitiria ao médico usar remédios fora do que a bula recomenda.

Médicos, porém, se diziam pressionados a prescrever os medicamentos e ameaçados de demissão caso não o fizessem, o que fere a autonomia profissional. A Prevent Senior negou a prática.

Fonte: Nexo Jornal

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/farma-ponte-lanca-app-com-servicos-de-saude-e-financeiros/

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