O Ozempic, nome comercial do medicamento da Novo Nordisk usado contra o diabetes tipo 2, sofre com ameaça de desabastecimento. E o alerta partiu da própria farmacêutica dinamarquesa.
Segundo informações de O Globo, pacientes que utilizam o remédio receberam uma mensagem da fabricante sobre a possibilidade de falta do medicamento nas farmácias.
“Lamentamos informar que Ozempic 1mg pode estar em falta nas farmácias. Mas não se preocupe, existem outras opções da mesma classe terapêutica. Para manutenção do seu tratamento, consulte seu médico”, diz o comunicado.
Ozempic virou objeto de cobiça por potencial de emagrecimento
O Ozempic tem como base de sua formulação a semaglutida, que simula um hormônio chamado GLP, responsável por garantir a saciedade do paciente.
No entanto, o medicamento vem sendo objeto de cobiça por pessoas dispostas a emagrecer para fins estéticos. Uma trend que viralizou entre usuários do TikTok teria contribuído para estimular essa procura inadequada. Países como Austrália e Estados Unidos, consequentemente, já convivem com a falta do remédio nas farmácias.
A farmacêutica argumenta que as mensagens enviadas aos pacientes são um “reforço da informação” e que recebeu notificações de uma demanda muito maior que a esperada no primeiro trimestre deste ano. A companhia acredita que o abastecimento seja normalizado ao longo do segundo trimestre.
“Durante esse período, os pacientes com diabetes tipo 2 afetados têm a opção de mudar o tratamento para outros medicamentos da mesma classe (análogos de GLP-1). Para isso, eles devem consultar o seu médico e seguir estritamente as suas orientações”, afirma a empresa.
Ozempic vem impulsionando negócios da Novo Nordisk
Ao mesmo tempo em que convive com riscos de desabastecimento, o Ozempic vem ajudando a impulsionar os negócios da Novo Nordisk.
Juntamente com o Wegovy, aprovado em janeiro deste ano Anvisa, o remédio contra diabetes responde por 43% da receita da companhia, cujas vendas mais do que dobraram desde 2022.
No último dia 23 de março, o valor de mercado da Novo Norsdisk chegou ao recorde de 2,3 trilhões de coroas dinamarquesas (o equivalente a US$ 336 bilhões) e ela se tornou a segunda empresa mais valiosa da Europa, superando a Nestlé, que caiu assim para a terceira posição.
A farmacêutica dinamarquesa ainda está um pouco atrás do grupo francês LVMH, a maior empresa da Europa em valor de mercado (US$ 448 bilhões).
Falta de medicamentos atinge 98% das farmácias brasileiras
A falta de medicamentos como o Ozempic não é exclusividade no Brasil. ma pesquisa inédita do Conselho Federal de Farmácia (CFF) revelou que 98% dos PDVs farmacêuticos ainda convivem com o desabastecimento.
Realizado entre julho e setembro, o levantamento teve a contribuição de farmacêuticos de 683 estabelecimentos de todos os estados e do Distrito Federal, sendo 68% da iniciativa privada e os 32% restantes da rede pública. Deste total, 671 registraram relatos de falta de medicamentos, especialmente das classes de antimicrobianos – categoria que inclui antivirais – e mucolíticos (expectorantes).
Na análise das motivações para a falta de medicamentos, a escassez no mercado foi apontada por 86,6% dos entrevistados. A alta demanda inesperada recebeu menções de 43,1%, enquanto 38,6% indicaram falhas do fornecedor.
Dos 671 profissionais que relataram desabastecimento, 470 (70%) disseram não conseguir alternativas. Para os demais 201, as opções citadas incluíram substituição, compra direta, manipulação, contato com o prescritor para apresentação das opções disponíveis e orientação ao paciente para retorno ao médico.
Quanto a alternativas possíveis para contornar a situação, 65,9% relataram não haver alguma medida, plano ou protocolo de mudança de procedimento ou de uso racional de medicamentos adotados pela instituição. Já 34,1% afirmaram haver alguma medida, como substituição do medicamento, uso racional, reforço nos pedidos e limite da quantidade por paciente.
Para Gustavo Pires, diretor-secretário do CFF e coordenador da pesquisa, a escassez ainda reflete os efeitos da pandemia da Covid-19. “A indústria não conseguiu colocar em dia a produção dos fármacos e, por isso, mantém o déficit de importação de algumas matérias-primas essenciais para a fabricação dos medicamentos”, admite.
Carência de insumos exige política de contingência
O problema expõe um gargalo na nacionalização de insumos farmacêuticos ativos (IFAs), que têm 95% da produção importada de mercados como China e Índia.
“Os Estados Unidos estão nacionalizando 180 moléculas consideradas estratégicas a toque de caixa para manter a soberania de produção. O mesmo ocorre com a Índia, que está investindo US$ 8 milhões na nacionalização de 30 moléculas. Ou seja, uma das maiores fabricantes de insumos e medicamentos percebeu a fragilidade desse processo. Mas não vemos nenhum movimento nesse sentido no Brasil”, critica Norberto Prestes, CEO da Associação Brasileira da Indústria de Insumos Farmacêuticos (Abiquifi).
De acordo com ele, desde 2020, o que se fez por aqui foi um levantamento das 50 moléculas prioritárias para manter a saúde pública no Brasil. O estudo já foi apresentado para indústria, para os Ministérios da Saúde e da Ciência e Tecnologia. Além disso, ainda passará para a Anvisa. “O governo terá um papel muito importante nesse processo pelos altos custos de investimento, principalmente no segmento de doenças raras”, ressalta. Prestes avalia que será preciso investir de R$ 2 bilhões a R$ 4 bilhões para ampliar a produção de IFA no Brasil.