As pesquisas clínicas sobre cannabis medicinal representam um passo determinante para a ampliação do acesso e de indicações terapêuticas, além de justificar a incorporação de novos produtos em canais como o Sistema Único de Saúde (SUS) e as farmácias privadas. Mas o que realmente falta para essa atividade ganhar corpo no país?
Na visão de analistas do setor, não faltam alternativas de financiamento nem interesse por parte da indústria. Os principais entraves estão atrelados à questão regulatória e à ausência de um regramento mais claro, com segurança jurídica para endossar novos investimentos.
Para Flavia Albuquerque, gerente sênior do programa de inovação radical da Abiquifi, o Brasil precisa desenvolver um ambiente que favoreça as boas práticas de fabricação. “É importante tanto para o setor como para a sociedade que esses produtos cheguem ao consumidor de forma segura e com padrões de qualidade bem delineados. A partir daí se pode pensar em escala e em redução de preços. Mas para isso é necessário o envolvimento ativo de todos os players, tanto do setor público como do privado”, avalia.
Financiamento para pesquisas clínicas sobre cannabis
A maior profusão de financiamentos para pesquisas clínicas sobre cannabis poderia ser uma saída para preencher essas lacunas. O Complexo Econômico-Industrial da Saúde, projeto encabeçado pelo governo federal, prevê a formação de novas operações de crédito por meio da Finep, agência pública vinculada ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovação (MCTI). Cerca de 35% das pesquisas e inovações brasileiras são provenientes de fundos do órgão.
Em janeiro deste ano, a Finep abriu dois chamamentos públicos com uma linha temática para insumos farmacêuticos ativos (IFAs) de cannabis. Os fundos não são contingenciados. Ou seja, os recursos estarão disponíveis por força de lei, não podendo ser bloqueados.
“A cannabis ainda tem representatividade muito baixa nos pedidos de financiamento e figura em apenas 10% dos projetos. E a maior parte dessas demandas seria direcionada para o desenvolvimento de produtos e não para pesquisas clínicas, que abririam muito mais o mercado”, comenta Igor Bueno, gerente do departamento de saúde da Finep.
Atualmente, o MCTI apoia dois projetos por meio de emendas parlamentares. Ambos têm como objetivo viabilizar estudos sobre a toxicidade da cannabis em animais e a aplicação da planta em estratégias de combate ao alcoolismo.
Recurso emperra nas pequenas empresas
De acordo com Bueno, as grandes empresas farmacêuticas são as que mais buscam recursos a fim de obterem vantagens competitivas e se posicionarem melhor no mercado de cannabis. “As pequenas empresas e as startups têm mais dificuldades no acesso à subvenção econômica, por não apresentarem garantia de capital ou não terem como arcar com as contrapartidas. Nesses casos, uma saída seria fechar parcerias com um grande laboratório”, aconselha.
“Porém de nada adianta induzir o processo produtivo e fazer com que as empresas invistam no setor sem uma normativa clara e contundente”, pondera Flavia Albuquerque.