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O entrave da Buntanvac. E os problemas da Versamune

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Duas das principais vacinas contra a covid-19 que vêm sendo desenvolvidas no Brasil, a Butanvac, do governo paulista, e a Versamune, do governo federal, enfrentam percalços em agosto de 2021, que vão da falta de voluntários para testes a cortes de verbas.

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Os imunizantes são as principais apostas nacionais para ampliar a oferta de proteção da população, atualmente atendida por quatro produtos estrangeiros: a chinesa Coronavac, a anglo-sueca Oxford/Astrazeneca, a americana Pfizer e a belga Janssen.

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Neste texto, o Nexo lista a sequência para a consolidação de uma vacina, mostra qual é o estágio atual da Butanvac e da Versamune, fala de outras iniciativas de instituições brasileiras e analisa por que uma produção nacional é estratégica para combater a pandemia que já deixou mais de 570 mortos no país.

Etapas até a produção de vacinas

EXPLORATÓRIA

Fase de pesquisa para identificação de antígenos, a substância estranha ao organismo que desengatilha a produção de anticorpos

PRÉ-CLÍNICA

Fase de testes com animais em laboratórios para analisar a resposta do organismo ao imunizante

CLÍNICA

Fase com testes em humanos, subdivididos em fase 1 (para verificar se o imunizante é seguro), fase 2 (para avaliar as respostas do sistema imunológico) e fase 3 (para analisar a eficácia da vacina)

APROVAÇÃO

Se apresentar resultados suficientes em todos os testes, o laboratório pode pedir o registro da vacina, que poderá ser disponibilizada para a população

A falta de voluntários para a Butanvac

O governador de São Paulo, João Doria (PSDB), fez o anúncio da vacina do Instituto Butantan (que vem sendo desenvolvida desde 2020 por um consórcio internacional liderado pelo instituto), em 26 de março de 2021. Na ocasião, Doria declarou que o imunizante seria “100% nacional”. A tecnologia utilizada, no entanto, foi desenvolvida nos EUA. Apesar de não ser exatamente como anunciou o tucano, o desenvolvimento nacional do imunizante é estratégico.

Em 23 de abril, o Butantan pediu autorização à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) para começar as duas primeiras fases dos testes clínicos. Com a autorização em mãos, tais testes foram iniciados em julho, com a mobilização dos voluntários inscritos: jovens de 18 anos a 30 anos, não vacinados, e que não tiveram covid-19, moradores de Ribeirão Preto. A segurança da vacina será medida com 400 voluntários. Os testes sobre resposta imune envolverão 5.000 pessoas. Desses 400 da primeira fase, 200 já haviam recebido placebo ou Butanvac.

O Butantan, porém, começou a ter dificuldades em achar voluntários. O instituto então pediu à Anvisa uma alteração no estudo clínico. A mudança foi autorizada pela agência na quarta-feira (18). Com isso, voluntários que antes receberiam placebo para comparação com o grupo vacinado com a Butanvac, receberão agora a Coronavac.

Essa mudança passa por uma questão ética: não seria adequado manter voluntários sem vacina, tomando placebo, num momento em que a imunização está avançada no estado. Com isso, o governo paulista espera obter mais voluntários para os testes de resposta imune, e está procurando pessoas de outras cidades próximas a Ribeirão Preto.

Diante da sequência de adiamentos e da promessa inicial de a vacina estar disponível em julho de 2021 para aplicação na população, o Instituto Butantan fala agora em finalizar os estudos até o final de 2021. A primeira fase, com os 400 voluntários, deve ser concluída em 15 dias, informou o diretor do Instituto, Dimas Covas, em coletiva de imprensa na quarta-feira (18).

A Butanvac é feita a partir de um vírus cultivado em ovos embrionados de galinhas e modificado para carregar uma proteína do novo coronavírus, que causa a doença Newcastle, uma gripe aviária inofensiva em humanos. No organismo humano, estimula a produção de anticorpos. A proteína usada na vacina será a da variante gama do coronavírus, que surgiu em Manaus.

Versamune: corte de verbas e questões jurídicas

Horas depois de Doria divulgar a Butanvac em 26 de março, o ministro da Ciência, Tecnologia e Inovação, Marcos Pontes, convocou coletiva de imprensa para informar sobre testes em andamento da Versamune-CoV-2F.

Ao lado do ministro da saúde, Marcelo Queiroga, Pontes também destacou tecnologia “100% nacional”, e disse que o anúncio no mesmo dia de Doria foi uma coincidência. “Não tem nada a ver uma coisa com a outra”, disse o titular da Ciência e Tecnologia na data.

O presidente Jair Bolsonaro e o governador João Doria eram aliados nas eleições de 2018, mas se afastaram durante a pandemia do novo coronavirus, numa separação que tem como pano de fundo a disputa presidencial de 2022, quando o tucano pretende se candidatar para o Palácio do Planalto, abrindo uma frente de concorrência com o atual presidente no campo político da direita.

Desenvolvida a partir de parceria com a Faculdade de Medicina da USP, câmpus de Ribeirão Preto, com a startup paulista Farmacore e a empresa americana PDS Biotechnology, a Versamune é feita a partir da réplica de um fragmento específico da proteína Spike do vírus Sars-CoV-2 associado a uma tecnologia para acionar as células T do organismo, que são responsáveis pela resposta antiviral no corpo.

O projeto está com aprovação pendente na Anvisa para os testes clínicos, que estavam previstos para serem iniciados em junho de 2021. A agência pediu informações adicionais de ensaios pré-clínicos e controle de qualidade. Assim como a Butanvac, a Versamue também encontra dificuldades para recrutar voluntários que não tenham recebido nenhuma dose de vacina.

Financiado pelo governo federal, o projeto teria R$ 30 milhões nas duas primeiras fases dos testes clínicos (com 300 voluntários), e R$ 300 milhões na terceira fase (25 mil voluntários). Em live com Bolsonaro em 23 de abril, Pontes disse que o orçamento era um desafio, mas que o custo seria um “investimento muito bom ao país”. No dia seguinte, Bolsonaro vetou R$ 200 milhões para o projeto.

Na quarta-feira (18), a BBC Brasil revelou que as pesquisas da Versamune acabaram no centro de uma investigação que envolve os pesquisadores, a Universidade de São Paulo e o Tribunal de Contas do Estado, além do professor responsável pela condução do estudo, Clélio Lopes Silva.

De acordo com a reportagem, órgãos de controle de São Paulo levantaram suspeitas sobre um conflito de interesses entre a USP e a Farmacore: a startup é presidida por Helena Faccioli Lopes, filha do professor Silva. Que também era sócio da empresa até agosto de 2020.

A universidade abriu uma sindicância interna para apurar o caso, que pode culminar na expulsão e na abertura de um processo criminal contra o professor. Ainda de acordo com a BBC Brasil, a Farmacore e os pesquisadores alegam que os questionamentos são uma “perseguição política” de Doria, que deseja sair na frente com a Butanvac, algo que ele nega.

Outras vacinas brasileiras

A UFPR (Universidade Federal do Paraná), UFMG (Universidade Federal de Minas Gerais) e UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) também trabalham em vacinas nacionais contra a covid-19.

Na UFMG há sete projetos; o mais avançado é o imunizante Spintec, desenvolvido pelo CT-Vacinas e pela Fiocruz Minas, que utiliza uma proteína recombinante. No dia 30 de julho, a universidade protocolou na Anvisa pedido de autorização de testes clínicos para as fases 1 e 2, amparada em dados sobre o desempenho da Spintec nos testes pré-clínicos (realizados em animais).

A pesquisa que deu origem à vacina mineira se baseou na modificação genética da bactéria E.coli, que recebeu pedaços do genoma do Sars-Cov-2 para produzir as proteínas S e N do coronavírus, e é considerada fácil de ser fabricada.

Batizada de UFRJvac, a vacina da universidade carioca é desenvolvida no Lecc (Laboratório de Engenharia de Cultivos Celulares) do Instituto Alberto Luiz Coimbra de Pós-Graduação e Pesquisa em Engenharia da universidade. A vacina é do tipo recombinante (o ingrediente ativo do imunizante é uma proteína obtida por técnicas de engenharia genética). É a mesma utilizada para vacinas contra hepatite B e HPV, por exemplo.

A equipe, liderada pela professora Leda Castilho, pediu no dia 6 de agosto autorização da Anvisa para testes clínicos. De acordo com a pesquisadora, desde março os pesquisadores trabalham nas variantes gama, beta e delta.

A UFPR trabalha em uma vacina que utiliza parte do material do vírus sintetizado com um biopolímero, material usado em suturas e aplicações médicas. O departamento responsável, coordenado pelo professor Emanuel Maltempi, já investigava a interação de bactérias do solo com o material antes de usá-la na vacina contra a covid-19.

As fases pré-clínicas devem ser finalizadas este ano, para então a universidade solicitar autorização para o teste em humanos. No dia 2 de julho, a UFPR abriu uma campanha na busca de recursos financeiros para a fase clínica.

Desenvolvimento tecnológico é principal ganho

Envolvido na pesquisa e produção de imunizantes, o professor de imunologia do Curso de Farmácia da PUC-PR e membro da Conep (Comissão Nacional de Ética em Pesquisas) Sergio Surugi de Siqueira disse ao Nexo que a principal vantagem do desenvolvimento de vacinas nacionalmente é o domínio da tecnologia, mesmo que os imunizantes não sejam bem-sucedidos nos testes clínicos.

“De modo geral, as vacinas são insumos muito estratégicos. É a maior prova que tivemos nessa pandemia. O país que já investia saiu com vantagem para proteger a sua população. Talvez agora, com a necessidade, a gente crie no Brasil uma cultura de ciência e tecnologia, que não temos”, afirmou Siqueira.

Segundo o professor, mesmo que os imunizantes nacionais estejam no mercado somente em 2022 ou 2023, as vacinas brasileiras trarão a vantagem de auxiliar em doses de reforço ou revacinação, necessidade que ainda não está totalmente clara, mas que é provável, e até atuar na exportação de vacinas.

Siqueira disse ainda que as tecnologias usadas pelo Instituto Butantan e pela Faculdade de Medicina da USP Ribeirão Preto são seguras e que podem ser aproveitadas, posteriormente, para vacinas contra outras doenças.

Fonte: Nexo

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