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Os medicamentos para emagrecer fazem mal à saúde?

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Na última sexta-feira (23), o presidente em exercício, Rodrigo Maia, sancionou um Projeto de Lei que autoriza a produção e comercialização de três remédios inibidores de apetite. O mazindol, a anfepramona e o femproporex foram usados, por anos, no tratamento da obesidade. Estavam proibidos no Brasil desde 2011, quando a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) – o órgão responsável pelo registro de medicamentos no país – concluiu que ofereciam riscos à saúde dos pacientes, sem garantir os benefícios esperados. O PL tramitava no Congresso há seis anos, desde a proibição da Anvisa. A lei sancionada por Maia estabelece que eles deverão ser comercializados como medicamentos controlados, tarja preta, cuja receita deve ser retida. A regra vale também para um quarto inibidor de apetite: a sibutramina, cuja segurança e eficácia também foram questionadas em 2011 – quando da proibição dos outros três – mas que não foi retirada do mercado brasileiro.

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A decisão foi bem recebida pelas sociedades médicas. A não ser pela sibutramina, cujo tratamento mensal custa em torno de R$ 30, as demais drogas que restaram disponíveis no Brasil  são caras. Caso da liraglutida: “Um tratamento desse tipo custa R$ 900 por mês, em média”, diz Maria Edna de Melo, endocrinologista da Associação Brasileira de Endocrinologia e do Grupo de Obesidade e Síndrome Metabólica do Hospital das Clínicas de São Paulo. E nem todos os pacientes respondem aos tratamentos com os remédios disponíveis. “Com mais drogas à disposição, o médico tem instrumentos melhores para encontrar o melhor tratamento para cada paciente.”

Mas essa ainda não é uma questão bem resolvida. A decisão de liberar esses medicamentos foi tomada pelo Congresso, à revelia do parecer técnico da Anvisa. Segundo a agência, esse tipo de avaliação não cabe a deputados e senadores. Além da agência brasileira, outras pelo mundo também proibiram alguns desses inibidores. A sibutramina, por exemplo, foi retirada dos mercados europeu e americano. Os argumentos são parecidos com aqueles apresentados no Brasil: os riscos para a saúde são muito grandes e os benefícios são modestos.

O que explica essa divergência entre médicos, políticos e agências reguladoras? Essas drogas podem fazer mal à saúde?

Os inibidores de apetite atuam em uma área do cérebro chamada hipotálamo. Há efeitos colaterais? (Foto: FreeImages)
O que a ciência diz

Inibidores de apetite são usados para o emagrecimento desde os anos 1930. Eles atuam em uma região do cérebro chamada hipotálamo, de modo a aumentar a sensação de saciedade e diminuir o desejo por comida. São receitados para pacientes com Índice de Massa Corporal acima de 30, considerados obesos, que não conseguem emagrecer – ou manter o peso ideal –, mesmo depois de tentar mudar hábitos alimentares e de fazer atividade física. Esse é um problema recorrente: de acordo com um trabalho de pesquisadores da Universidade da Pensilvânia, publicado em 2009, metade dos pacientes retoma o peso original cinco anos depois de ter emagrecido por meio de mudanças comportamentais.

Atestar que os inibidores de apetite são seguros é importante porque, na maioria das vezes, essas drogas são usadas por tempo prolongado: “A obesidade é uma doença crônica. Algo como o diabetes”, diz Maria Edna. “É possível que a pessoa tenha de tomar o remédio a vida inteira.” Além disso, eles foram associados, ao longo dos anos, a uma série de efeitos adversos. Os inibidores podem provocar o aumento da frequência cardíaca: o que os torna contraindicados para pessoas com problemas cardiovasculares e hipertensão. Há também relatos de que possam provocar náuseas e alucinações.

mazindol, a anfepramona e o femproporex chegaram ao mercado entre os anos 1950 e 1970. Apesar das décadas de existência, ainda é difícil dizer se são seguros. No começo deste ano, uma equipe da Universidade Federal do Paraná (UFPR) analisou 25 estudos publicados a respeito dessas três substâncias. Eram trabalhos realizados entre 1967 e 2014, que tentavam avaliar sua segurança e eficiência. A conclusão diz menos sobre os medicamentos que sobre a ciência: “Na década de 1960, a ciência tinha uma ideia diferente do que era um estudo bem conduzido”, diz Rosa Luchetta, pesquisadora da UFPR e uma das autoras do artigo brasileiro. Antigos, os trabalhos analisavam os efeitos dos remédios em número pequeno de pacientes. E não seguiam práticas consideradas importantes pelos pesquisadores hoje. No estudo ideal, hoje, um grupo de pacientes recebe o medicamento enquanto o outro recebe um placebo. Os voluntários e os médicos responsáveis por acompanhá-los não são informados sobre quem recebeu o que: de modo a seu prejulgamento não interferir nos resultados das análises. Os pesquisadores também não devem conhecer qual droga será avaliada: “A maioria dos estudos tinha falhas nesses pontos”, diz Rosa.

Os trabalhos avaliados pelos brasileiros traçavam um quadro desfavorável para essas três drogas. Segundo os critérios da FDA, a agência reguladora americana, uma droga para emagrecer é eficiente quando, após um ano de uso, a pessoa tiver perdido 5% do peso original ou mais. Nenhum dos três remédios atendeu a essa exigência. Os estudos tampouco conseguiram confirmar a ocorrência dos efeitos colaterais comumente associados a essas drogas, como náuseas e o aumento da frequência cardíaca. Isso não significa que elas sejam ineficientes ou seguras: “Como a qualidade dos estudos disponíveis é baixa, não dá para tirar uma conclusão”, diz Rosa. “Novos estudos podem repetir esses resultados. Ou podem ter resultados diferentes.”

Os estudos sobre sibutramina são mais recentes. Em 1999, a Agência de Medicamentos Europeia (EMA) conduziu uma avaliação da substância. Era uma resposta aos relatos de que o remédio provocava taquicardia – um problema que, àquela altura, já levara à proibição temporária da sibutramina na Itália. Concluiu que os benefícios não compensavam o risco. Anos depois, a EMA ainda encomendou um estudo de longa duração sobre a sibutramina: por cinco anos, a agência acompanhou mais de 10 mil pessoas obesas ou com sobrepeso e que sofriam com problemas cardiovasculares, hipertensão e diabetes. Os resultados, publicados em 2010, confirmaram que o uso do medicamento estava associado – para essa população com problemas cardíacos – a risco aumentado de “eventos cardiovasculares não fatais”. Como infarto do miocárdio. A sibutramina, hoje, não tem autorização para ser vendida na Europa.
O estudo europeu amparou a decisão da FDA em 2010, de retirar a sibutramina do mercado americano. Na ocasião, a agência reconheceu, no entanto, que o estudo avaliou os efeitos do remédio sobre uma população para a qual ele não era indicado.

Se as evidências são inconclusivas, a Anvisa fez mal ao proibir esses medicamentos?

Não é por aí. O uso desses medicamentos, no Brasil, era problemático. Por anos, o país foi apontado como um dos maiores consumidores de inibidores de apetite em todo o mundo. Um trabalho do final dos anos 1980 estimou que, a cada 1.000 brasileiros, um consumia dez doses dessas substâncias por dia. Para comparar: na mesma época, a cada 1.000 europeus, um consumia 0,5 dose por dia de inibidores de apetite.

Havia sinais de uso irregular, de automedicação com fins meramente estéticos. E havia sinais de que médicos os receitavam de maneira inadequada: “Em teoria, qualquer médico, desde que tenha autorização para emitir uma receita B2 [o tipo de receita exigido para esse tipo de remédio], pode prescrever esses medicamentos”, diz Maria Edna. “Não é preciso ser endocrinologista. Era muito comum as receitas serem assinadas por oftalmologistas e pediatras.” Um estudo do final dos anos 1990, de pesquisadores da Universidade Federal de São Paulo (Unifesp), enviou 107 pessoas a consultórios médicos em São Paulo e no Recife. Elas se passavam por pacientes em busca de tratamento para obesidade. Em 80,3% dos casos, os médicos consultados receitaram fórmulas para ser encomendadas em farmácias de manipulação. Na maioria deles, a quantidade de inibidor presente na formulação, segundo o estudo da Unifesp, ultrapassava os limites recomendados. Em alguns casos, a formulação envolvia o uso de dois inibidores ou a mistura deles com laxantes e diuréticos – uma associação inadequada e perigosa.

Quando proibiu a comercialização desses medicamentos em 2011, a Anvisa afirmava que não havia evidências técnicas suficientes de que eles eram seguros e funcionavam. E que, diante dos riscos, escolhia impedir sua comercialização. Em 2014, a agência deu um passo atrás. Publicou uma resolução autorizando a comercialização dessas drogas, desde que fossem feitos novos estudos para avaliar sua segurança e eficiência: um procedimento exigido para o registro de um medicamento. Estudos desse gênero precisam ser amplos e são caros. As drogas em questão são antigas, e suas patentes já expiraram. “Nenhum laboratório se interessou”, diz Rosa Luchetta, da UFPR.

O que acontece agora?

Agora, a anfepramona, o mazindol e o femproporex passam a ser comercializados no país. Sua compra fica condicionada à apresentação de uma receita especial, de tipo B2, que deve ser retida – uma regra já aplicada à sibutramina.  Mesmo os defensores da liberação reconhecem que eles chegam ao mercado por vias tortas, por meio de um Projeto de Lei: “A Anvisa é que deveria tomar essa decisão, baseada em evidências científicas”, diz Maria Edna. “Mas a autorização é muito bem-vinda, porque disponibiliza medicamentos tirados da população por canetada”. Hoje, todos os medicamentos comercializados no Brasil passam, idealmente, pela avaliação da agência. É uma forma de tentar garantir que sejam seguros. A aprovação de um medicamento por meio do Congresso, como aconteceu agora, pula essa etapa. E não responde à necessidade, ainda pendente, de produzir estudos de qualidade, amplos, que avaliem essas substâncias.]

Fonte: Época

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/2020/07/03/walgreens-cria-mini-farmacias-com-atendimento-personalizado/

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