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Fracionamento de medicamentos – A suposta solução fácil

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Nos últimos anos temos acompanhado certos setores da sociedade levantando a bandeira do fracionamento de medicamentos como sendo a solução das mazelas educacionais brasileiras. Sim, apesar do fracionamento ser um tema de saúde, no fundo trata-se mesmo de um problema educacional, como veremos mais adiante.

 

Os defensores do tema – incluídas os inúmeros autores das proposições em tramitação no Congresso Nacional – alegam que tal medida acabaria com as “sobras” de medicamentos nos lares brasileiros, além de diminuir os gastos de saúde. Ledo engano! Somente quem não se aprofunda sobre as questões que assustam a saúde global pode defender uma medida como essa, que levaria o Brasil a um atraso de ao menos trinta anos.

 

O fracionamento de medicamentos é uma proposta, no mínimo, preguiçosa, e muito equivocada em vários aspectos de saúde púbica.

 

Não é verdade que o fracionamento reduziria as sobras de medicamentos, pois se assim o fosse, os Estados Unidos, um dos únicos países ainda a adotar – parcialmente, apenas, o fracionamento – não sobrariam pílulas, e muitas, nas casas dos norte-americanos. Abra uma gaveta numa residência no hemisfério norte, e será possível ver muito mais sobras de remédios do que aqui. De tempos em tempos, aquele país faz campanhas para descarte de pílulas, e as quantidades arrecadadas beiram as duzentas toneladas. Portanto, esse argumento é puro bullshit, como se diz por lá.

 

O motivo é simples: o que faz sobrar remédio, não é a quantidade que se compra (ou que se retira na farmácia, no caso dos norte-americanos). Medicamentos sobram por causa do abandono ao tratamento, que beira os 50% ao redor do globo, segundo a Organização Mundial de Saúde. No Brasil, levantamento do IBOPE realizado tempos atrás a pedido da Abrafarma, o abandono declarado chegava também à quase metade da população. Esse sim, o abandono ao tratamento, é um problema gravíssimo, pois levam a agravos que custam muito mais ao país.

 

Isso nos leva a um segundo ponto. Os defensores do fracionamento afirmam que seria uma medida para reduzir os gastos dos pacientes. Mais um engano, dessa vez de viés econômico. Quantidades maiores sempre são mais econômicas do que quantidades menores, pois o custo de produção e de hora/máquina se mantém, acrescente custos de embalagem. E é exatamente por isso que os norte-americanos entregam 60 ou mais pílulas aos pacientes, ao invés de 30 delas. Reforço: entregam MAIS e não menos, como se faz acreditar no torto raciocínio tupiniquim. Eles entregam mais, pois o custo por pílula é menor, é obvio. Isto para tentar ampliar a adesão ao tratamento, o grande desafio da saúde. Como se diz por lá também, “é a economia, estúpido”!

 

No Brasil, defende-se entregar MENOS ao paciente. Por aqui, argumenta-se que as pessoas poderiam comprar MENOS pílulas. O que couber no bolso, obvio. Quem em sã consciência acha que esse não será o lugar comum da medida? “O médico passou 30 comprimidos, mas eu quero levar só dez e depois pegar o resto. Quanto custa esses dez?”. Quem pensa ao contrário não leu recente pesquisa realizada pelo Datafolha e publicada em abril/19 pelo Conselho Federal de Farmácia. Nela, assombrosos 59% dos entrevistados relatam que já alteraram, por conta própria, a dosagem prescrita pelo médico. Se cruzarmos este dado com os 44% que, no mesmo levantamento, declararam abandonar o tratamento, temos aí uma pequena dimensão de quão grave é o problema.

 

Nos EUA, estima-se que o custo da não-adesão ao tratamento chegue a US$ 290 bilhões/ano ao sistema de saúde. Naquele país, além de não tomarem as pílulas, cerca de 30% dos medicamentos bancados pelo sistema de saúde nem são retirados nas farmácias. Por aqui, não medimos esse número, mas ao menos sabemos quantos morrem pelos agravos das doenças não tratadas corretamente. Cerca de 100.000 brasileiros morrem todos os anos de acidente vascular cerebral, o famoso AVC; 300.000 morrem de doenças cardiovasculares. A ciência já comprovou que a maioria dessas mortes seriam evitáveis. O simples controle da hipertensão e do diabetes poderia evitar números tão graves. Adesão ao tratamento, e não menos tratamento, é o objetivo de todos.

 

Os EUA tentam hoje resolver o problema da não-adesão com MENOS fracionamento: as grandes redes investiram milhões em centros de refill para entregar frascos prontos e lacrados com trinta, sessenta ou mais pílulas ao paciente. O Walmart, que por lá detém grande rede de farmácias, contratou uma fábrica para blistar os medicamentos, igualzinho como entregamos por aqui. Sim, inacreditavelmente, hoje em dia eles copiam o modelo brasileiro atual, com caixas fechadas sendo entregues ao paciente.

 

Outra medida é a de educar o usuário, e aqui voltamos ao ponto inicial da minha abordagem. Os farmacêuticos nos EUA, no Canadá e em muitos outros países investem tempo em educar o usuário crônico, ajudando-os a manejar sua doença, a entender as dosagens e garantir que não abandonem seu tratamento. Não se perde mais tempo em separar pílulas, se investe tempo no que importa – no acompanhamento da doença.

 

No Brasil, seguimos o mesmo caminho. Com a aprovação da Lei n. 13.021/14, estamos numa jornada de transformação da atenção farmacêutica. Farmácias já podem aplicar vacinas, em breve vão poder utilizar testes rápidos e cuidar cada vez mais do doente crônico. Já implantamos mais de 2.300 salas de serviços farmacêuticos e realizamos, em 2018, cerca de 2,4 milhões de atendimentos, a maioria deles focado na educação do usuário crônico. É uma revolução silenciosa na saúde, no aumento da adesão ao tratamento. Educando as pessoas, algo que a sociedade brasileira deixou de fazer há muitos anos. Isso sim, tem o poder de mudar a face da saúde do país, e não entregar menos pílulas às pessoas.

 

Anos atrás, quando começou a circular um dos primeiros projetos de lei de fracionamento, alardeado na época pela mídia como um avanço na saúde, nós estávamos justamente numa das numerosas Missão Técnica Internacional nos Estados Unidos. Na ocasião, o Diretor Farmacêutico de uma grande rede de farmácias norte-americana me perguntou se era mesmo verdade que essa proposta estava em discussão no Brasil. Eu respondi que sim. Ele então balançou a cabeça negativamente: “Nós aqui queremos é nos livrar disso, pois é uma função totalmente irracional. Vocês só podem estar loucos!”, me disse com olhar incrédulo. Eu só pude baixar o olhar, envergonhado.

Fonte: Jota

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