A importação de cannabis medicinal movimentou R$ 400 milhões em 2024, o que correspondeu a um avanço de 22% em relação ao ano anterior, segundo dados da consultoria Kaya Mind. O potencial dessa atividade, que beneficia em torno de 300 mil pacientes, inspirou empresários, advogados, médicos e especialistas técnicos do setor farmacêutico a criarem o Instituto Conexão e Regulação (ICR).
A nova entidade reúne 15 empresas que representam mais de 50% da receita do mercado brasileiro de cannabis e respondem por cerca de um terço das prescrições no país. A meta é, até o fim do ano, dobrar o número de associados para alcançar market share superior a 70%.
O acesso a produtos importados à base de cannabis se dá pela RDC 660, que regula os trâmites envolvendo formulações, apresentações, formas de administração e perfis de canabinoides não disponíveis nas farmácias.
Como primeiro passo, o ICR iniciou, em janeiro, um amplo processo de articulação junto à Anvisa para assegurar a médicos e pacientes o acesso a produtos de qualidade, contribuindo para um ambiente regulatório robusto e eficaz.
A medida visa a rebater o pedido do Sindusfarma. Em outubro do ano passado, o sindicado recomendou a revogação da RDC 660, sob a alegação de que a norma não atende de maneira adequada aos critérios de segurança e qualidade previstos pela Anvisa. Na visão da entidade, diretrizes importantes sobre o controle de qualidade não são previstas na legislação atual.
“Nosso objetivo é apoiar a finalidade institucional da Anvisa, cujo foco é a proteção da saúde pública. Estamos diante de um cenário muito desafiador que envolve o crescimento acelerado do segmento de cannabis, em contrapartida ao número insuficiente de servidores na agência”, afirma Rafael Arcuri, diretor executivo do ICR.
“As críticas dirigidas à importação, originadas na indústria farmacêutica, não levam em conta características dos pacientes. Muitos enfrentam situação de vulnerabilidade e necessitam de produtos não disponibilizados nas farmácias”, pontua o diretor-jurídico do ICR, Leonardo Navarro.
Para o advogado, restringir a importação em nome de uma reserva de mercado penaliza a sociedade sem qualquer contrapartida. “Sabemos que este é um debate complexo e estamos dispostos a envolver toda sociedade nesta discussão”, acrescenta.
Ainda na opinião de Navarro, com pouquíssimas empresas investindo em estudos clínicos ou pesquisas, é improvável que haja alguma mudança de cenário no curto prazo em relação aos produtos encontrados nas farmácias. “Esse contexto torna ainda mais relevante a criação de um arcabouço regulatório específico para acesso a produtos importados”, adverte.
“Muitas empresas representadas pelo ICR têm origem e atuam em mercados muito mais maduros do que o brasileiro, comercializando seus produtos em diversos países europeus e nos Estados Unidos”, acrescenta.
Entre as propostas apresentadas pelo ICR à Anvisa estão:
Criação de um selo de qualidade
- Requisitos técnicos: estabelecer critérios de conformidade inspirados em normas nacionais e internacionais, prevendo rastreabilidade, além de assegurar e facilitar a verificação de produção e distribuição por estabelecimentos devidamente regularizados em seus países de origem
- Verificação laboratorial: incentivar a realização de testes independentes para identificação e mensuração de canabinoides, detecção de contaminantes e conferência de rotulagem
- Boas práticas: adotar políticas sobre publicidade e relacionamento com profissionais de saúde e pacientes
Suporte técnico e transparência
- Relatórios de conformidade e compilação de dados: disponibilizar à Anvisa uma documentação clara e consolidada sobre a qualidade dos produtos, regularização dos estabelecimentos e análises laboratoriais
- Participação regulatória: colaborar ativamente no aperfeiçoamento de diretrizes, fornecendo subsídios técnicos que contribuam para decisões regulatórias e ações de fiscalização
O ICR entende que essas iniciativas não substituem as competências regulatórias da Anvisa, mas constituem um recurso adicional para assegurar a qualidade de produtos à base de cannabis no Brasil. “Essa colaboração voluntária beneficia os pacientes, reforça a confiança dos profissionais de saúde e contribui para reduzir a sobrecarga de trabalho da própria autarquia”, pondera Arcuri.
Mais de 25 mil prescritores por meio da importação
Todas as especialidades médicas reconhecidas pelo Conselho Federal de Medicina (CFM) emitem receita de produtos de cannabis via RDC 660. Estima-se que mais de 25 mil prescritores utilizem esse expediente em mais de 80% dos municípios brasileiros. Para se ter uma ideia, em dezembro de 2024, um em cada dez neurologistas do país utilizou essa via de importação, que conta com mais de mil produtos acompanhados de um Certificado de Análise (COA – Certificate of Analysis).
A pujança do mercado de importação justifica-se não apenas na variedade de apresentações ou formulações, mas também no preço. Os custos médios dos óleos importados pela RDC 660 são significativamente menores que os da RDC 327, tornando o tratamento também mais acessível à população.