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Mesmo alertado, governo insistiu na Covaxin

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A CPI da Covid apura se os esforços do governo federal para aquisição de vacinas contra a covid-19 foram seletivos, com uma especial atenção ao imunizante batizado de Covaxin, produzido pelo laboratório indiano Bharat Biotech — representado no Brasil pela Precisa Medicamentos. Mesmo sabendo que a previsão de chegada das primeiras doses da Covaxin era fevereiro de 2021, por exemplo, o presidente Jair Bolsonaro atuou pessoalmente nas tratativas para incorporar a vacina indiana no Programa Nacional de imunização (PNI), deixando de lado negociações muito mais avançadas e com garantias de fornecimento ainda em 2020, como a da Pfizer e a da CoronaVac.

Documentos com caráter sigiloso que chegaram à CPI, e obtidos pelo Correio, revelam que o governo federal sabia que a vacina enfrentava entraves na própria índia, sendo alvo de controvérsias em agosto de 2020. Em 4 de fevereiro, a Embaixada do Brasil em Nova Délhi enviou um telegrama ao Ministério das Relações Exteriores relatando que a imprensa indiana vinha apontando que a adesão ao programa de imunização poderia ser considerada limitada. Conforme o documento, acreditava-se haver “certa ‘hesitação’ por parte dos cidadãos, atribuída a dúvidas com relação à segurança e à eficácia de uma das vacinas do programa, a Covaxin”. “Uma vez que, segundo os críticos, o processo de sua aprovação pelas autoridades sanitárias teria sido ‘pouco transparente’ e ‘açodado’”, explica o telegrama.

Os alertas não fizeram o governo brasileiro recuar, e o contrato de RS 1,6 bilhão para a aquisição de 20 milhões de doses do imunizante foi firmado pouco depois, em 25 de fevereiro. Antes disso, no dia 18 de janeiro, outro telegrama relatava o início do programa de vacinação contra covid-19 no dia 16 e que, naquela ocasião, “confirmou-se maior hesitação em relação à Covaxin”. “O processo alegadamente opaco de autorização para uso emergencial dessa vacina, conforme relatei, tem sido alvo de críticas da opinião pública e da oposição, em particular do Partido do Congresso Indiano”, pontua.

O documento relata, ainda, que estava sendo exigida a assinatura de um termo de responsabilidade àqueles que seriam imunizados com a Covaxin, “o qual alertava para o status de testes clínicos da vacina, dados sobre sua eficácia e informava que, em caso de reações adversas graves ligadas à inoculação, haveria compensação por parte do fabricante Bharat Biotech”.

Em julho do ano passado, já se falava sobre polêmicas envolvendo o imunizante. Em 15 de julho, o embaixador do Brasil na índia, André Aranha, encaminhou telegrama para o Ministério das Relações Exteriores narrando que o ambiente de pesquisa indiano era alvo de polêmica após vazamento de mensagem do diretor-geral do principal órgão estatal financiador e coordenador de pesquisa na área médica. “Na mensagem, o diretor instava administradores de hospitais a concederem rapidamente as aprovações necessárias para a aplicação em profissionais de saúde na data informada”, destaca Aranha.

A pressão gerou reação por parte da comunidade científica indiana, que apontou o caráter “irresponsável” e “irrealista” do prazo, narra o embaixador, completando que a polêmica fez com que o órgão financiador emitisse uma nota informando que a fala do diretor “tinha apenas o intuito de forçar a remoção de burocracias desnecessárias para coordenar a arregimentação de pessoas que receberíam, em momento oportuno, as primeiras doses da vacina aprovada”. Na mesma mensagem, Aranha avalia que a Covaxin estaria efetivamente disponível apenas no início de 2021.

Em outra comunicação sobre o cenário das vacinas em 1º de dezembro de 2020, o embaixador revela que a Covaxin era considerada o primeiro imunizante contra a covid-19 totalmente indiano e que estava na fase três de testes, podendo ser lançado em fevereiro. Naquele momento, por exemplo, a Pfizer já havia concluído os estudos de fase 3 nos Estados Unidos. Em janeiro deste ano, Bolsonaro enviou uma carta ao primeiro-ministro indiano, Narendra Modi, afirmando que a candidata estava “entre as vacinas selecionadas pelo governo brasileiro”, mesmo sem qualquer aprovação regulatória e sem estar entre os imunizantes cujos estudos eram realizados no Brasil. A mensagem é de 8 de janeiro e, nela, o presidente cita a vacina da AstraZeneca com a Universidade de Oxford, com produção pelo Instituto Serum, e pede urgência no envio de 2 milhões de doses.

“Pressões anormais”

O contrato para aquisição das vacinas Covaxin é alvo, inclusive, de uma apuração do Ministério Público Federal (MPF). Documentos enviados à CPI da Covid mostram que um servidor relatou ao MPF “pressões anormais, por meio de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões” para resolver entraves em relação à importação da vacina indiana.

As informações estão no requerimento do vice-presidente da CPI, Randolfe Rodrigues (Re-de-AP), de transferência dos sigilos bancário, fiscal, telefônico e telemático de Alex Liai Marinho, ex-coordenador-geral de Logística de Insumos Estratégicos para Saúde, exonerado no último dia 8. No requerimento, o parlamentar ressalta que Marinho “é nome importante no episódio de contratação da vacina indiana Covaxin e na omissão do governo em relação à negociação com Pfizer”.

“Conforme documentação recebida pela CPI, o coordena-dor-geral de Aquisições de Insumos Estratégicos para Saúde atuou fortemente para que seus funcionários superassem, de qualquer forma, os entraves junto à Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), que impediam a entrada da vacina Covaxin em território nacional”, diz o requerimento. “Em depoimento recebido por esta CPI, um servidor informa sobre pressões anormais por meio de mensagens de texto, e-mails, telefonemas, pedidos de reuniões, tendo sido procurado, inclusive, fora de seu horário de expediente, em sábados e domingos.”

Segundo informações de Rodrigues, o servidor informou que “o alto escalão do Ministério da Saúde, tal qual a Secreta-ria-Executiva, a sua própria coordenação, dentre outros setores pediam que fosse encontrada a ‘exceção da exceção’ (palavras do servidor) junto à Anvisa para que os entraves fossem superados”.

O senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE) afirmou que o interesse de Bolsonaro pela Covaxin é “diametralmente oposto” ao das outras candidatas na mesa de negociações. “No tocante à Pfizer, temos, ao longo de um ano, um debate intenso; da mesma forma acontece com a CoronaVac, mas com a Covaxin eles (governo federal) fazem o contrário: partem em busca da vacina, insistem, tentam conseguir aprovação antecipada junto à Anvisa e fazem a contratação através de uma empresa intermediária, o que é totalmente fora do padrão das outras contratações”, ressaltou.

A empresa mencionada pelo senador é a Precisa Medicamentos. Questionada pela reportagem, a companhia afirmou que “jamais promoveu qualquer tipo de pressão e não contou com vantagens durante esse processo”. “Em todas as ocasiões, seguiu de forma ética e transparente todos os processos burocráticos e exigências do Ministério da Saúde e da Anvisa para viabilizar a importação da vacina Covaxin para o Brasil”, frisou.

Os esclarecimentos devem ser feitos, também, à CPI, por Francisco Maximiano, sócio da empresa, convocado para depor amanhã. Ele teve as quebras de sigilo telefônico e telemático aprovadas pelos senadores.

O “ministro” do suposto gabinete paralelo

Apelidado de “ministro” do suposto gabinete paralelo, alvo de investigação da CPI da Covid, o deputado Osmar Terra (MDB-RS) será ouvido hoje pelos senadores. O convite teve como base a participação do parlamentar em reuniões que revelam a existência de um grupo extraoficial para aconselhamento do presidente Jair Bolsonaro na gestão da pandemia. Gravações mostram que Terra gerenciava rodada de conversas, como um mentor intelectual do grupo.

“Osmar Terra é um dos principais influenciadores do presidente da República. É defensor da ideia de que é necessário deixar a doença ser transmitida pelas pessoas para se chegar a uma situação de imunidade coletiva, uma tese criminosa e um dos temas que será tratado”, indicou ao Correio o senador Humberto Costa (PT-PE), um dos requerentes. Ele enfatizou que todas as previsões feitas pelo deputado foram frustradas. “Ele disse que a doença ia acabar rápido, que iam morrer 800 pessoas, que no fim do ano estava acabando”, destacou.

Costa fez referência a uma declaração de Terra, de março de2020, quando o deputado disse que os casos da covid-19 seriam menores que os registros de HINl em2019e, por isso, provocariam cerca de 3.500 casos e 800 mortes.

Terra é um dos críticos mais incisivos de medidas restritivas. Médico formado pela Universidade Federal do Rio de Janeiro e ex-secretário de Saúde do Rio Grande do Sul, o político de carreira, que já foi ministro da Cidadania do governo Bolsonaro, chegou a ter o nome cogitado para assumir o Ministério da Saúde após a saída de Luiz Henrique Mandetta.

Como solução para tratar os pacientes acometidos do vírus, Terra defendeu a cloroquina e outros medicamentes sem eficácia comprovada contra a doença.

Quando foi diagnosticado com covid-19, em novembro de 2020, fez questão de anunciar pelas redes sociais o “tratamento precoce com hidroxicloroquina e ivermectina”. Mesmo assim, posteriormente, precisou ser internado.

“O que interessa é ele como testemunha para apontar quantas reuniões, quem participava do gabinete paralelo, para que se identifique outros personagens e, a partir daí, entender a motivação do governo, que fez a opção de seguir esse gabinete em vez do consenso científico mundial”, argumentou o senador Alessandro Vieira (Cidadania-SE). (BL)

Fonte: Correio Braziliense

Veja também: https://panoramafarmaceutico.com.br/servidor-relatou-pressao-dentro-da-saude-para-importacao-da-covaxin/

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